A Sra. D. Ana com suas Histórias

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Finalmente, o bom do estudante que, quando lhe dava para falar, era mais difuso

que alguns de nossos deputados novos na discussão do art. 1.º dos orçamentos, julgou dever

fazer pausa de suspensão; mas a Sra. D. Ana, que já tinha-o por vezes interrompido fora de

tempo e debalde, não quis tomar a palavra para responder, sem segurar-se, dirigindo-lhe

estas palavras pela ordem:

- Então concluiu, Sr. Augusto?...

- Sim, minha senhora; e peço-lhe perdão por me haver tornado incômodo, pois fui,

sem dúvida, tão minucioso em minha narração que eu mesmo tanto me fatiguei, que vou

beber uma gota d'água.

E isto dizendo, foi ao fundo da gruta, e enchendo o copo de prata na bacia de pedra,

o esgotou até ao fim; quando voltou os olhos, viu que a boa hóspeda estava rindo-se

maliciosamente.

- Sabe de que estou rindo?... disse ela.

- Certamente que não o adivinho.

- Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga,

seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com a

história de seus amores e com o copo d'água que acaba de beber.

- V. S. põe em tributo a minha curiosidade...

- Eu o satisfaço com todo o prazer.

A Sra. D. Ana principiou.

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As Lágrimas de Amor

- Eu lhe vou contar a história das lágrimas de amor, tal qual a ouvi a minha avó, que

em pequena a aprendeu de um velho gentio que nesta ilha habitava.

Era no tempo em que ainda os portugueses não haviam sido por uma tempestade

empurrados para a terra de Santa Cruz. Esta pequena ilha abundava de belas aves e em

derredor pescava-se excelente peixe. Uma jovem tamoia, cujo rosto moreno parecia tostado

pelo fogo em que ardia-lhe o coração, uma jovem tamoia linda e sensível, tinha por

habitação esta rude gruta, onde ainda então não se via a fonte que hoje vemos. Ora, ela, que

até aos quinze anos era inocente como a flor, e por isso alegre e folgazona como uma

cabritinha nova, começou a fazer-se tímida e depois triste, como o gemido da rola; a causa

estava no agradável parecer de um mancebo da sua tribo, que diariamente vinha caçar ou

pescar na ilha, e vinte vezes já o havia feito, sem que uma só desse fé dos olhares ardentes

que lhe dardejava a moça. O nome dele era Aoitin; o nome dela era Aí. A pobre Aí, que

sempre o seguia, ora lhe apanhava as aves que ele matava, ora lhe buscava as flechas

disparadas, e nunca um só sinal de reconhecimento obtinha; quando no fim de seus

trabalhos, Aoitin ia adormecer na gruta, ela entrava de manso e com um ramo de palmeira

procurava, movendo o ar, refrescar a fronte do guerreiro adormecido. Mas tantos extremos

era tão mal pagos, que Aí, de cansada, procurou fugir do insensível moço e fazer por

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