Cap. 35

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Não quero pôr Marcello em uma situação de risco e pedi a ele que nada fizesse e que esquecêssemos o ocorrido. “Claudinho, não me peça para esquecer que alguém pôs a mão em você, não posso prometer isso, é como se ele houvessem me subtraído algo de muito, muito valor, não por ele haver te beijado a força, mas por ele haver machucado você. Ninguém encosta mão em você e fica sem receber o troco” Disse ele estranhamente tranquilo olhando pra baixo, de certo modo até de forma sombria.

Senti um calafrio estranho e insisti que ele não fosse atrás do crápula, mas Marcello não quis falar mais sobre o assunto e disse que aquela conversa estava encerrada, não sem antes me dizer “Por você eu faço qualquer coisa, eu como sal, bebo vinagre, caminho na brasa, eu enfrento o próprio Lúcifer, quanto mais um animal desprovido de alma como esse; não se preocupe.” As palavras de Marcello me gelaram o coração e nem seu abraço ,depois do que ele disse, conseguiu me aquecer.

Tenho medo do que ele possa fazer, Marcello é impulsivo, sei por Guto que ele já foi muito brigão do tipo de quebrar o bar inteiro. Em realidade, receito ter encontrado um problema para ele, ou melhor, uma das coisas que me inquieta é o fato de haver provido o motivo para atiçar a fera. Pensei em mil coisas, não quero que ele se meta em confusão e meu coração ficou apertado num sufoco que dói quando o ar entra em meus pulmões.

Ficamos abraçados por um bom tempo; pude notar que ele respirava descompassado como quem contém a si mesmo e que chorava baixinho como para que eu não notasse, não demonstrei que havia percebido, aquele era um momento que eu tinha que respeitar.

De certo modo Marcello havia sido ferido em seu orgulho de homem (todos nós, temos nosso orgulho e eu sabia que o de Marcello havia sido aviltado no dele) compreendi seu ciúme e a legitimidade desse sentimento ancestral que é o da posse e o que permeia a ira quando tocam em algo ao qual se atribui valor.

Entendi que o silêncio era o mais apropriado e as palavras não mais tinham lugar naquela noite. Receio ter despertado o lado violento desse homem, tenho medo de haver aberto portas que estavam trancadas. Desgosto de saber que sou a causa. Queria ser em sua vida como a tranqüilidade das tardes de chuva quando se está em casa sob as cobertas assistindo a filmes que gostamos.

Queria ser o calor do sol que abraça o seu corpo ou o vento da praia que acaricia o rosto em tardes preguiçosas. Mas o que eu provoquei com minha soberba em pensar que poderia me desencilhar de Carlos, foi o encontro de Marcello com seus instintos mais primitivos, em suas próprias palavras: seus segredos mais feios.

Concluí o terrível engano que houvera cometido ao ocultar toda situação a ele, mas qual seriam os desdobramentos se antes eu houvesse dito o que quer que fosse? E como num lamento, senti correr por baixo de sua pele ondas de uma ladainha muda de quem impotente do que seja fazer, cheio de penas, num contido desespero, ao peito aflito acalma a teima.

A aflição daqueles que da tragédia tomam ciência após o ocorrido. Vê-lo nessa angústia me fez sentir aromas de urze e de lama. Pedi a Deus que toda a dor que existia em seu coração me fosse dada. Por um sorriso de tranquilidade do meu Marcello, em alegria me deixaria matar. Dono eu de todos os ais, me senti como uma pedra fria, antes, a que rola e despedaça sonhos ao cobrir de terra o que antes vicejava.

Então era isso, havia eu ferido o meu pássaro mais caro, minha joia mais preciosa. Sentir Marcello sofrendo me doeu tanto na alma que ao meu coração disse mil vezes que deixasse de bater.

Causar a dor a quem se ama é a pior de todas as experiências que um ser humano pode provar, é a praga mais medonha que se pode ver, e a sensação mais nefasta que podem os sentidos humanos perceber, quem diz o contrário é tolo. Preferia ter minha destra decepada, minha garganta degolada ou meu tórax transpassado por um lança.

O namorado da minha amiga.Where stories live. Discover now