05| Destinados ao falhanço

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Estava sentada na cama quando ouvi um estrondo vindo da cozinha. Aquilo assustou-me em primeiro lugar, sobretudo por causa do grito grave de Richard, e depois apenas encolhi os ombros e continuei a pintar as unhas, como se nada tivesse acontecido. Fosse o que fosse, ele é o homem, ele lida com os problemas. Essa seria até uma boa lógica se não fosse o facto de o problema em questão ser do foro doméstico, o que, convenhamos, cabe às mulheres resolver. Nunca fui adepta do machismo, e muito menos dos estereótipos veiculados às mulheres. Nós não somos o sexo fraco, e muito menos é nossa obrigação limpar a porcaria que os outros, neste caso os homens, fazem. Contudo, não podia ignorar os chamamentos de Richard, que se assemelhavam a uma baleia parideira. Conseguia sentir o cheiro a queimado e percebi que uma grande explosão tinha ocorrido no local de satanás, também conhecido como cozinha. Levantei-me reticentemente e abanei freneticamente as mãos, rezando para que as unhas secassem a tempo de eu ter a oportunidade de tocar em algo e não estragar a bela obra de arte negra que me deu tanto trabalho a realizar. Odiava pintar as unhas.

"O QUE É QUE ACONTECEU!?", gritei, avançando pelo corredor. Já não se ouvia barulho, apenas um silêncio sinistro. As luzes estavam apagadas e, apesar de já ser fim de tarde, o sol ainda dava claridade à divisão. Felizmente, estava habituada a lidar com situações como aquela.

"ClOE.", Richard apareceu-me à frente, de um segundo para o outro, com as mãos nos cabelos e os olhos cobertos de lágrimas. A sua t-shirt preta estava cheia de salpicos verdes e as suas calças pareciam ter passado por um campo de batalha. Não conseguia imaginar o que raio tinha ele estado a fazer para me aparecer naqueles preparos, mas não fiquei admirada. "EU NÃO SEI COZINHAR."

"O quê?", semicerrei os olhos, questionando-me se estaria ele a gozar com a minha cara ou não. "Oh por favor, não me digas que incendiaste a casa a fazer ovos...", pedi num murmúrio, sentindo-me ridícula por estar a recordar aquilo. Richard fungou.

"Ok, eu devia ter-te dito isto mais cedo...", a sua voz mudou de tom, e eu acabei de sobrancelhas franzidas, sem compreender o que raio se estava a passar. "Primeiro, a tua mãe ligou e ela está passada contigo. Liga-lhe e fala com ela, se faz favor. Segundo, vi uma receita muito engraçada na internet de brócolos gratinados e queria MUITO experimentá-la, mas pelos vistos não é permitido pôr certos alimentos no fogão, pois ele pode explodi-los. Terceiro, esta noite vem cá uma pessoa jantar, e eu não estou psicologicamente preparado para isto."

"O quê? O quê, o quê, o quê?", gesticulei dramaticamente, sem entender uma palavra do que ele dissera. Richard lançou-me um olhar de cachorro abandonado, o que me fez suspirar. Aquilo não podia, definitivamente, estar a acontecer-me. Já me bastavam todos os problemas emocionais e sociais, não precisava agora de uma crise na cozinha e de um convidado indesejado à mesa. "Richard, diz-me que não é um encontro.", suspirei.

"Não é um encontro.", ele sorriu. "MASÉUMAREUNIÃODECONVÍVIOSOCIAL."

"O QUÊ?", rosnei. "QUEM É O GAJO OU A GAJA!?"

"Bem...", dos seus lábios escapou um risinho nervoso, parecido ao de uma hiena excitada. "Em primeiro lugar, isto já estava marcado há MUITO tempo e eu NÃO podia desmarcar... isso seria indelicado da minha parte. Eu não contava que tu espancasses uma miúda até à morte e me viesses fazer companhia, Cloezinha. Emasportanto, eu conheci esta adorável senhora na sala de espera do dentista... ela adorou o meu charme obscuro de estrela punk."

"Oh, jesus...", suspirei. "Tu estás a brincar!?"

"Não...", os seus lábios apertaram-se de indignação. "Eu costumo ter encontros... às vezes... ocasionalmente."

"E a mãe?", a pergunta fugiu dos meus lábios antes que eu pudesse evitar. Não sabia realmente qual o objetivo da questão, pois eu tinha plena noção que Elsard não voltaria nunca mais a ser um casal. Além de se odiarem, os seus feitios em conjunto nunca, jamais, em tempo algum dariam resultado. Eles estavam destinados ao falhanço.

Social Casualty II ಌ m.cOnde histórias criam vida. Descubra agora