As duas versões

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Acordo no dia seguinte com uma dor de cabeça enorme, a luz que entra pela janela me incomoda mais que o normal e Pietro já não está no quarto, então eu aproveito para reparar em todos os detalhes do cômodo. Ok, talvez eu não deva estar fazendo isso, mas quem se importa?

Tem um caderno sobre a escrivaninha, que minha curiosidade me obriga a abrir, nele há diversos poemas e letras de músicas, a maioria fala sobre perder pessoas que amamos e superação, e aquilo soa tão diferente do Pietro que eu costumava conhecer, ele era sempre tão animado, cheio de vida, fazendo suas piadinhas idiotas e agora... Eu não sei mais direito quem ele é, nem ao menos sabia que ele escrevia. Acho que isso está tudo relacionado com a morte de seu avô, Pietro sempre foi extremamente ligado a ele, mais até que seu próprio pai.

Eu queria ter estado lá quando tudo isso aconteceu, queria ter ficado do lado dele quando ele precisou, queria ter sido a pessoa que ele sempre pôde contar... Mas eu não fui. Mas tudo bem, é a vida, ela acontece.

Abro o guarda-roupa e o cheiro de Pietro me atinge, trazendo uma onda profunda de nostalgia. Têm várias fotos coladas do lado de dentro das portas, inclusive algumas fotos nossas, eu passo o dedo por elas lembrando de cada um dos momentos que as originaram e sorrio, foram bons tempos, muito bons e independente do que aconteça daqui pra frente, nossa história sempre vai me trazer lembranças boas.

A noite passada é formada por alguns lapsos de memória em minha mente, mas me lembro de mandar um áudio vergonhoso pra Pietro e da briga entre ele e Gustavo. Ah! Me lembro da performance incrível de Beca e Analu também.

Respiro fundo e deixo o quarto, a casa parece estar vazia, mas tem um cheiro de café na cozinha, então sigo pra lá. Sim, eu ainda conheço os cômodos, não é como se desse pra esquecer esse tipo de coisa. Tem café na mesa junto com uns bolinhos de chuva e sei que a mãe de Pietro, Paula, os fez; mas só de pensar em comer, meu estômago de embrulha e eu desisto de provar um. Ouço uma música vindo do quintal e sigo pra lá, encontrando um Pietro tocando os primeiros acordes de Talk, do Coldplay, mas alterando as partes em que Chris Martin diz "brother" para "grandpa", que significa vovô.

Oh, grandpa, I can't, I can't get through

I've been trying hard to reach you 'cause I don't know what to do

Oh, grandpa, I can't believe it's true

I'm so scared about the future and I wanna talk to you

Oh, I wanna talk to you

Eu fico apreciando toda a cena, mas logo Pietro me vê e diz:

— Lia, como está se sentindo?

— Com uma dor de cabeça terrível, mas bem. – Digo e nós trocamos um olhar... Que eu não sei definir. — Continua. – Falo, apontando para o violão.

(...)

Are you lost or incomplete?

Do you feel like a puzzle, you can't find your missing piece?

Tell me how do you feel

(...)

Ele termina de cantar e se vira pra mim, dizendo:

— Você ainda gosta de Coldplay?

— Aham, minha favorita é Every teardrop is a waterfall.

— I'd rather be a comma then a full stop. – Eu prefiro ser uma vírgula a ser um ponto final, ele cantarola e me encara sorrindo.

Eu sei que esse é o momento, não um momento qualquer, mas o momento, no qual teremos a conversa definitiva, no qual explicaremos nossas versões de uma mesma história, a nossa história.

As Duas VersõesWhere stories live. Discover now