Perdida

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— Marília? – Dona Marta repete meu nome. Eu jogo os remédios rapidamente de volta no lixo e viro em sua direção com um sorriso amarelo. — O que você estava fazendo?

— Eu... Eu achei os remédios... Que a senhora tem jogado fora. – Solto, num ímpeto de coragem.

— Eu tenho direito de fazer isso, você sabe, não? – Questiona, mas tenho certeza de que foi uma pergunta retórica. Quer dizer, ela tem o direito de fazer isso? É a vida dela, mas e os meninos e a Beca? Eles acham que os remédios não estão surtindo efeito, mas na verdade eles nem sequer estão sendo tomados. Eu não sei muito sobre depressão. O que eu devo fazer? O que eu digo? Como eu lido com essa situação?

— Eu acho que...

— Marília, isso não te diz respeito.

— É, eu sei. Eu só acho que a senhora devia ser honesta com seus filhos. – Digo, engolindo em seco. Ela bufa e se aproxima de mim, segurando meu braço.

— Isso não te diz respeito. – Fala, entredentes. — Você não vai comentar isso com ninguém.

— Mas eu não posso esconder algo assim do Pietro! – Protesto.

— Qual a parte do "isso não te diz respeito" você não entendeu? – E aperta mais o meu braço. Ela está com uma expressão tão... Irreconhecível. Meu deus, por que sempre me meto em situações assim?

— Eu sei que não me diz respeito, mas isso é pro seu próprio bem! Pro bem dos seus filhos!

— Quem é você pra decidir o que é pro meu bem? E quanto aos meus filhos, eles não poderiam me obrigar a fazer isso. Só seria mais doloroso se soubessem. – Ok, ela tem razão nesses pontos. Mas talvez... Droga, isso é algo muito sério pra se esconder de alguém que você gosta. Primeiro, a quase gravidez da Gabriela e agora isso? Eu não sei o que fazer. — Eu não quero que você comente isso com Pietro, nem com ninguém. Isso é algo meu, não é você quem deve tentar consertar.

— Bom dia! – A voz de Pietro ecoa. — Tá tudo bem por aqui? – Pergunta ao perceber que sua mãe está me segurando pelo braço.

— Tá sim, filho. Eu estava conversando com a Marília. – Diz, sorrindo. — Vou deixar vocês dois a sós.

— Ah, então esse é um dos dias bons! – Ele diz, se aproximando de mim com um sorriso enorme.

— Dias bons?

— É, da minha mãe. Lembra que eu te falei dos dias ruins e dos dias bons?

— Ah... É. Lembro. – E assim começa mais uma sessão de mentiras ou eu deveria dizer omissões?

— Lia, tá tudo bem? Você parece estranha. – Pietro pergunta, acariciando a minha bochecha. — Não me diga que você se arrependeu de ontem...

— O que você tá dizendo? Claro que não! – Falo e acho que acabo soando muito desesperada, já que Pietro ri.

— Hum... Sendo assim, eu posso te dar um bom dia decente? - E sorri de lado. Eu não respondo, apenas me aproximo mais, tocando meus lábios nos seus. Essa é uma boa maneira de esquecer as omissões, uma pena que ele esteja tão envolvido em ambas. Droga, eu não posso me sentir assim pra sempre! Consciência pesada é algo realmente horrível.

— Vamos tomar café? A comida, digo. Eu sei que você não gosta do líquido. – Diz, passando o braço por meu ombro e me levando lá pra fora.

Passamos o resto do fim de semana fazendo vários nadas, Pietro e eu estamos tão bem que eu quase me esqueço das minhas mentiras. Beca e Luís não se desgrudam, enquanto Analu revira os olhos repetidas vezes por ter de ficar de vela. Até mesmo Marta conversa um pouco conosco, o que deixa todos felizes, com exceção de mim. Não que eu não esteja feliz com o fato de ela estar bem, ou parecer estar bem, só não consigo me sentir confortável. Não tem como me sentir confortável com uma situação dessas!

As Duas VersõesWhere stories live. Discover now