F I R S T.

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Eu adorava ouvir histórias de contos de fadas. Papai lia para mim todas as noites até eu completar oito anos. Havia noites que ele e mamãe discutiam muito feio e, de meia em meia hora, ele verificava se eu realmente estava dormindo. Porém, eu sempre fingia.

Éramos muito pobres. Muitas das vezes, mamãe deixava de comer para me dar seu alimento. E a cada dia ela ficava ainda mais magra e, nas vezes que a abraçava pela cintura, eu podia ouvir sua barriga roncar. Era o som mais triste que já tinha ouvido.

Quando completei doze anos, comecei a trabalhar de ajudante em um restaurante perto de casa para tentar ajudar de alguma forma. Papai foi contra isso, mas ele sabia o quanto precisávamos de qualquer dinheiro que vinha. E eu ganhava apenas dez dólares por dia. Não era o suficiente, mas pelo menos ajudava a comprar a mistura do dia ou da semana. Cheguei a faltar muitos dias na escola, queria turnos extras pra ganhar mais. Porém, ao ser descoberta, mamãe ameaçou a me parar de trabalhar, então prometi que não iria mais faltar. E cumpri.

Certa vez, notei que, papai chegava cada vez mais tarde. Fedia a cigarro e álcool. As brigas eram ainda mais constantes. Uma vez papai sumiu por duas noites e só o encontramos porque os vizinhos cochichavam. Passando um tempo, foi ficando cada vez mais difícil vê-lo em casa. E quando aparecia, sempre pedia dinheiro. Já estava completamente dominado pelas drogas. Mamãe o expulsava de casa toda vez que ele vinha com a história de que ia "mudar". E em algumas vezes ele chegava a ser agressivo.

Quando completei quatorze anos, tudo havia piorado. Mamãe havia visto que trabalhar honestamente não estava dando lucro, então virou prostituta. Dizia que, naquele mundo, ou você vendia seu corpo ou vendia sua alma. Eu nunca entendi isso. Ela saía por volta das onze e chegava pela manhã. Ela acabou ganhando mais curvas, se produzia mais e ficou um pouco agressiva.

Uma noite, quando mamãe havia saído para "trabalhar", ouvi um som estrondoso. Alguém socava a porta e ao ouvir a voz do meu pai, senti-me estranhamente aliviada. Não o via havia meses.

Abri a porta e percebi que chuviscava. Sua barba havia crescido demais, ele estava imundo, fedia, estava muito magro e tinha os dentes da frente todos amarelados e alguns quebrados.

— Oi, princesa. Você se lembra do papai, não lembra? — sua voz era rouca. Porém, havia notado que estava em abstinência e seus olhos estavam vermelhos.

— Oi... pai — era estranho reconhecer aquele ser como seu pai. Mas olhar para ele, me lembrava como eu me sentia segura em seus braços. — O que aconteceu?

Ele tremeu a pálpebra do olho direito e pensou em uma resposta.

— Eu... Ham, eu passei pra te ver... sabe como é sua mãe, sempre me proibindo de ver minha princesa — ele forçou uma risada. — Eu preciso da sua ajuda, Uriah. Papai precisa de sua ajuda.

— Do que o senhor precisa? — Franzi a testa.

— D-Dinheiro — ele sussurra, como se tivesse contando um segredo.

Puxei algumas notas de cinco e, notavelmente, seus olhos arregalaram de emoção. Eu não tinha nem vinte dólares, estava economizando pra comprar uma blusa que havia visto no brechó.

— Eu... eu não tenho muito, pai — falei, quase sem graça. Então o olhei apreensiva. — Sinto sua falta, pai, eu...

— Eu também, querida — disse ele, pegando o dinheiro da minha mão levemente e dando um sorriso amarelado. — Você vai ver o quanto vai crescer na vida, criança.

Além de ComplicadoWhere stories live. Discover now