She Knows What I Think About: One Love, Two Mouths

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Estava frio. Frio como o inverno em Colorado de 1989, quando minha mãe decidiu que passaríamos o natal na casa de uma tia distante, eu com apenas 12 anos e Mikey 9. Aquele foi o inverno mais rigoroso da década, lembro-me de nem ao menos poder sair na rua, pois minha mãe tinha medo das tempestades de neve repentinas, graças ao clima que quase não chegava à -25ºC. Foi um dos piores Natais de minha vida, pois fiquei a madrugada inteira cuidando de Mikey que chorava por não conseguir dormir com o frio.

A noite estava em seu auge da madrugada e tudo não passava de uma grande penumbra, como um ou dois raios de lua passando por entre os galhos das árvores. Foi ai que eu percebi, estava em uma floresta. Não sou bom com números, mas sei que não tem nenhuma floresta em um raio de 30 quilômetros de minha cidade, o que não me deixou com uma sensação muito boa deste lugar. O escuro impedia-me de identificar melhor minha situação, apenas compreendia que estava cercado por pinheiros que facilmente ultrapassavam 20 metros de altura.

Ah, pinheiros. Eles são alegres apenas no Natal, pois é necessário que plante apenas um e logo todos os outros tipos de plantações ao redor morrem. São tóxicos para as outras árvores, eles sugam tudo do solo e deixam apenas galhos secos e folhas caídas por volta de si. Por isso é comum quando se tem um pinheiro, ter apenas pinheiros junto, pois beber de um veneno que você mesmo produz é como se sentir em casa.

Decidi que começaria a andar assim que senti minhas pernas formigando, não sabia se era incômodo por estar parado por muito tempo ou se era uma reação ao extremo frio. Meus passos faziam barulho, as folhas secas da antiga vegetação do local quebravam em meus pés e vez ou outra eu acabava por tropeçar e chupar pinhas. Andar quando não se enxerga ativa uma nova área de pânico em seu cérebro, é algo como se você prometesse a si mesmo que nada daria errado, porém você não sabe quais alternativas você tem para saber se consegue ou não passar por aquilo. Dizem que quando um sentido seu some, os outros ficam mais forte. Não sei se devo acreditar nisso, ou então meus outros sentidos também foram inibidos, deixando-me apenas capaz de ouvir, e a única coisa que eu ouvia era o estalar das folhas ao meu caminhar.

Um vento forte passou por mim, tão gelado que sentia cortando minha pele. E, de fato, ele o fez. Coloquei minha mão em meu rosto e encontrei sangue escorrendo de um pequeno corte em meu osso da bochecha. Mais um vento passou por meu corpo e cambaleei, quase não conseguindo me manter sobre meus próprios pés. Respirei fundo segurando meu ferimento e com a única iluminação rasa da lua fui capaz de ver a fumaça saindo de minha boca. A terceira rajada de vento não foi tão generosa e amigável quanto as anteriores, tive que colocar as mãos em frente ao meu rosto como forma de proteção, e se o primeiro momento havia feito um corte, esse parecia estar me rasgando, senti as costas de minha mão direita abrir e antes que eu pudesse esperar que aquilo parasse, fui derrubado no chão.

Rasguei um pedaço da camisa branca que vestia — uma das poucas peças de roupa que se encontrava em meu corpo, algo nem um pouco recomendáveis para o clima — e tentei enfaixar às pressas a parte que encontrava-se sem pele em minha mão. Aquilo ardia para caralho e o vento, que já não passava de uma brisa, parecia capaz de congelar aquele sangue escorrendo em segundos. A única coisa que eu realmente queria saber era onde eu estava, mas depois de pensar um pouco, eu queria saber em que ano eu estava.

A teoria dos sentidos aguçados começou a me conquistar assim que reconheci um ruído baixo vindo não muito distante de mim, algo que logo reconheci como um choro. Aos poucos, consegui levantar daquele chão e andei em direção de onde eu achava que aquilo vinha. Talvez outra pessoa perdida. Era como alguém chorando para não ser ouvido, abafando o som, segurando durante alguns segundos, porém ele voltava mais alto depois.

Então eu a encontrei.

Os cabelos loiros voando e o vestido preto balançava junto das folhas. Seus pés estavam descalços e eu me preocupei em saber se ela não estava com muito frio ou se estava machucando em algum espinho ou outro tipo de coisa que possa ter no chão. Mas o que me chamava atenção era como ela conseguia ser linda até mesmo chorando.

Insomnia//FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora