{02} - THE CAMP

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       Aqueles que já haviam entrado no ônibus estavam absortos demais para prestarem atenção na garota solitária sentada em um dos inúmeros bancos azuis. E, enquanto eles conversavam distraídos, ela imaginava quando as coisas iriam mudar. Quando finalmente seria notada, ou quando sua vida seria mais interessante do que realmente era. Imaginava quando ia ser alguém.
A garota solitária sabia que ir àquela viagem era um risco, que as pessoas não a notariam nem mesmo se estivesse usando carne — como a Lady Gaga —, mas havia se feito uma promessa, de que aceitaria os conselhos da mãe e tentaria se enturmar. Ela seria notada.
Talvez fosse notada por seu cabelo loiro quase branco, talvez por seus olhos azuis e rosto quadrado, ou talvez por ser ótima em guardar segredos. Não importava como, apenas faria de tudo para conseguir o tão sonhado momento, quando todos se virariam para ela e a perceberiam.
Era o que a garota desejava, era o que teria. Ela poderia começar por se mostrar uma boa ouvinte e uma boa protetora de segredos alheios, porque se tinha algo em que era boa, era em esconder as coisas que lhe diziam ou descobria. A garota era como uma profissional do segredo.
Mas não tinha certeza se podia mostrar seu trunfo tão rápido, gostava da ideia de deixar os segredos onde deveriam ficar: guardados a sete chaves. Então o que lhe restava era sorrir, abanar o cabelo loiro perfeito e piscar seus grandes cílios até que alguém a notasse. E eles iriam.
Próximo a garota loira, um garoto e uma garota se olhavam como se o mundo houvesse parado de girar para lhes dar um momento, onde tudo parecia se basear em ódio, ódio, ódio.
E não era apenas por causa de seus olhos cerrados e lábios tensionados que se podia sentir o ódio entre eles, a linguagem de seus corpos também condizia com a ideia de mundo perdido em um caos rival entre os dois. Se os outros estivessem prestando atenção iriam gritar "BRIGA! BRIGA!"
— Por acaso perdeu algo na minha cara para estar me encarando? — a voz rouca do garoto soou baixa, quase como se estivesse com preguiça de se fazer ser ouvida. Ela apertou os dedos com força ao redor da alça frágil de sua mochila. Seu sorriso irritado se abre para ele.
— Na verdade acho que perdi. — sorriu, dando de ombros. — Se fizer sentido, acho que perdi a vontade de não enfiar meu punho nessa sua carinha de playboy. — ela deu de ombros, mostrando seus dentes perfeitos em um sorriso feio. E eles poderiam começar uma discussão, se o sorriso feio dela não estivesse começado a parecer com um sorriso humorado, e seus olhos cerrados não passassem de uma armadilha maquiada por alguns anos de teatro no colégio. Os dois rolaram os olhos, e ela se jogou na cadeira ao lado. — Achei que você não vinha mais.
— Acha mesmo que Charlotte iria me deixar ficar em casa depois da última festa que dei sem permissão? — Gabbie, seu único amigo naquele ônibus, lembrou, apertando-a com força em seus braços. Eles haviam se conhecido por acaso, quando Gabbie apareceu pelas quebradas e quase virou comida para peixe. Por sorte a menina era mais macho do que ele e o salvou, antes que aquela carinha de anjo fosse desfigurada. Após isso, não se largaram mais.
Como os demais, eles ignoraram todos aqueles que não pertencessem ao seu ciclo de amigos e se aprofundaram em uma conversa séria sobre o ocorrido no colégio dela. A conversa estava sendo direcionada para um dos tópicos que mais a incomodavam quando os olhos azuis do garoto se arregalaram. — Puta merda. Deus, você só pode estar de sacanagem com a minha cara.
— O que? — ela ergueu os olhos em direção à porta. — Puta merda. — repetiu, boquiaberta. Os olhos pretos carvão de Erin Forbes estavam presos aos seus antes mesmo da menina conseguir desviar. — O que ela faz aqui?! — sussurrou quando a viu passar com suas pernas esguias em direção a Oliver Lecter, seu atual e irritante namorado.
A garota não conhecia todos os amigos de Gabbie, ou metade dos adolescentes naquele ônibus, mas conhecia Erin Forbes como a palma de sua mão. E elas se odiavam. Fato.
Erin era uma das garotas que estavam ligadas aos piores momentos da vida da menina, e quando Gabbie as apresentou, ela desejou nunca ter saído de casa. As duas brigaram naquela noite, saíram no tapa como duas gatas selvagens, e Gabbie nunca soube o porquê. Além de não saber o porquê, ele não sabia como a amiga se sentia sempre que via a garota, como se fosse ser degolada por ela a qualquer minuto. Era frustrante estar no mesmo lugar que Erin.
Ela não vai simplesmente me bater do nada. Disse a si mesma. É só continuar no seu canto e deixá-la agir como a garota controladora que é. Completou, assentindo para o nada. Afinal de contas, você pode abrir a boca e espalhar o segredinho dela, como fez no colégio. Pensou, mordendo as bochechas. O que não seria legal, mas se ela falar de você, você fala dela. Simples. Assentiu. Aqui se faz, aqui se paga. É isso. Relaxe. Relaxe. Ela sorriu para o amigo.
Gabbie, que estava tagarelando ao seu lado, a chamou com um sopro no ouvido, e ela sentiu o pensamento ligado a Erin se dissipar em sua mente. Sorriu, não para Gabriel e seu assunto bobo sobre suas aulas de piano, mas para o fato de que Erin estava em suas mãos querendo ou não.
Todos estavam entediados pela viagem — apesar de já estarem mais do que habituados com ela, uma vez que a faziam todos os anos nas férias — , e o motorista estavam ainda mais entediado com as perguntas fervilhantes dos jovens sobre quanto tempo levaria para chegarem até a baía. Eram 3h46min de Manchester até Gloucestershire. Depois, mais 3h de lá até St. David's, em Pembrokeshire. Contando com as 23 paradas que faziam, eles passavam, uma vez por ano, 9h53min naquele ônibus, mas nada os impedia de perguntar "JÁ CHEGAMOS?!"
Já era noite quando finalmente chegaram ao acampamento, que ficava em uma área privada em algum lugar em St. David's. Assim que desceram dos ônibus sentiram os ossos chacoalharem por causa do frio. Estavam em uma área rodeada por água, com árvores longas que balançavam e faziam agouros feios com o vento forte.
— Sejam todos bem vindos! — uma mulher de cabelos curtos gritou em plenos pulmões.
— Boa noite turma de 2015. — a outra, um pouco mais agasalhada do que a primeira, cumprimentou. — Como a noite está mais fria do que o habitual vamos fazer isso um pouco mais rápido, o que acham? — perguntou sorridente. — Os alunos antigos podem seguir a Julie até seus dormitórios — ela apontou para a primeira moça. — E para os alunos novos, peço que formem seis filas e se encaminhem para o centro de administração. — sorriu, fazendo sinais para que os adolescentes formassem as filas. — Tenham uma boa noite.
Gabbie, como já era aluno ficha repetida, correu em direção a Julie e a abraçou com força. Os outros foram a passos cambaleantes e frios até a administração.
De quatro em quatro eles foram confirmados no sistema e informados sobre seus quartos.
A garota, melhor amiga e confidente de Gabbie, era a próxima na fila. Ela sorriu.
— Olá — a mulher de cabelos loiros sorriu. — Seja bem vinda ao Summer. Suas informações, por favor. — pediu, estendendo a mão. A menina tirou a ficha que havia imprimido há um tempo e esperou pacientemente. — Loki Dupont? — os olhos castanhos se ergueram para confirmar alguma suspeita estranha em sua voz. — Esse é mesmo o seu nome?!
— Sim, senhora. — a menina sussurrou sem graça.
— Que diferente. — a loira riu. — Não sabia que Loki era unissex.
— Sequer é um nome humano, quem dera unissex.
Yeah... Eu vejo. — a mulher sussurrou, envergonhada por ter tocado no assunto. A garota já estava acostumada com as pessoas estranhando seu nome. Porém, achou que aquela mulher havia sido gentil ao questionar se era unissex como se já houvesse escutado alguma outra criança ser chamada de "Loki". Elas se entreolharam, ambas envergonhadas. A mulher pegou um cartão de acesso e uma folha branca. — Aqui está a chave de acesso. — informou, mostrando a ela o cartão. — Você irá dividir o quarto com outras três meninas. Cada cartão tem um código de registro, eles são únicos, então precisa tomar cuidado para não perdê-lo. Se o cartão por acaso for perdido, você deve entrar em contato com algum professor, coordenador ou vigilante de corredor para que algo possa ser feito. — a garota separou os lábios, surpresa com a quantidade de regras. — Caso não entre em contato e algo aconteça no dormitório, baseado nas atualizações de últimos acessos, o acampamento poderá penalizá-la como facilitadora ou atuante do ocorrido como consta no nosso termo de regularidade. — ao terminar de falar, a mulher sorriu como se não houvesse acabado de ler um monólogo de informação. Loki sorriu de volta, confusa. — E aqui está o número do quarto e os nomes das suas colegas, no topo da ficha de inscrição. Você pode se registrar em qualquer aula experimental ou atividades recreativas, basta ir na sala A15, 2º andar e pedir uma ficha de inscrição. — sorriu. — Alguma dúvida?
— Eu acho que não. — a menina tragou a saliva, e pegou seu cartão de acesso.
— Ótimo. — a mulher carimbou sua ficha. — Espero que aproveite as férias.
E apesar do frio na barriga por causa de todas as regras do cartão de acesso, ela iria aproveitar as férias como havia se prometido. Aproveitaria cada instante como se fossem únicos.

Dear Frankie {hiatus}Where stories live. Discover now