O caso Anelise

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--- 02 de março, 20 horas.

Inês adentrou sua casa voando como uma louca. Assim que fechou a porta, jogou a valise sobre o sofá e ajoelhou-se diante o crucifixo. Havia anos que não dobrava seus joelhos em oração. Lembrara-se nesse momento que se esquecera de Deus exatamente no dia em que terminou o seu casamento. Fez o sinal da cruz e se levantou: "Se não oro para agradecer, não vou orar para pedir. A decência é um princípio que deve estar presente na fé".

Pegou a valise de Cohen e foi para o quarto de Daniel. Levou consigo água e bolachas. Trancou bem as janelas e fechou a porta. Queria certificar que aquela coisa não entraria ali novamente. Olhou bem o armário e nada. Estava de certa forma, segura. Se fosse para encontrar o filho, tinha que ser pela mesma visão de mundo que ele e então decidiu começar a pesquisa.

Esparramou as revistas de Ufo do filho pelo chão do quarto. Abriu a valise de Cohen e tirou algumas fitas cassetes de áudio. Pegou o walkman de Daniel e colocou a fita e levou o fone ao ouvido. Ouviu algumas citações por alguns minutos. Pareciam monótonas: "Registros e mais registros de aparições de luzes no céu. Datas, horários, registros noturnos em sua maioria, bem como Daniel falava" -, lembrou Inês.

Tirou da valise uma fita escrita "Caso Anelise". Enquanto a fita apresentava os procedimentos na voz de Cohen, Inês foi folheando uma revista que apontava os tipos de extraterrestres e sua atenção foi chamada pela manchete: "Os cinzas dominam as civilizações desde o antigo Egito".

Inês ficou presa aos olhos grandes da criatura que ilustrava a matéria. Atrás deles, pirâmides sendo atacadas pelos OVNIs. Em sua cabeça circundava a maldade desses seres até ouvir a entrevista:

"Aqui quem fala é o Doutor Alfredo Cohen, ufologista, pesquisador em contatos extraterrestres. Recebo a visita de uma jovem que veio investigar uma série de fenômenos semelhantes aos casos de abduções. Hoje é 22 de dezembro de 1994. Ela traja apenas o roupão de hospital. Acompanham a sessão a sua médica ginecologista Vanessa Martins" – A voz de Cohen era formal e solene na gravação.

"Como se chama?" -, perguntou Cohen.

"Eu me chamo Anelise e tenho 14 anos" -, respondeu uma menina de voz infantilizada. "O que aconteceu com você?" -, emendou Cohen.

"Estou grávida. Minha mãe me colocou para fora de casa. Ela não acredita que ainda sou virgem. Para ela, eu estou mentindo e a Doutora está mentindo. Ela tem uma educação muito rígida" -, declarou a moça em tom fragilizado.

A voz cortante de Cohen emendou: "Quando descobriu que estava grávida?".

"Até então, sentia vontade de vomitar a todos os momentos, mas, nunca desconfiei que pudesse estar grávida. Nunca beijei um rapaz sequer em toda a minha vida. Na escola eu sou chamada de boca virgem, todas as amigas viviam me tirando o sarro e do nada acontece isso comigo (choro). Não posso mais viver dessa maneira. Eu não sei o que há comigo e como aconteceu isso, eu não consigo me lembrar de nada. Não me lembro de ter tido relação alguma com homem algum".

Na gravação aparece Cohen pigarreando: "Essas cicatrizes no seu braço, consegue se lembrar de como adquiriu?".

O choro da menina parou.

"Não. Não me lembro; e isso me incomoda também. Parece que adormeci um tempo da minha vida e acordei dessa maneira. O que está acontecendo comigo? Olhe aqui perto dos meus cabelos, eu tenho marcas de cortes; no meu couro cabeludo têm cicatrizes de cortes que o médico apontou pra minha mãe. Ela acha que eu me envolvi em alguma coisa muito ruim. Diz que sou uma vergonha para a família. Ela fala que eu fique fora de casa por um final de semana inteiro. Mas, eu não me lembro disso. Lembro-me de sair com as amigas para tomar sorvete e na hora de voltar eu estava na praça sozinha. Daí eu apaguei e só me recordo do dia que estava deitada na minha cama em casa e minha mãe estava me dando tapas no rosto. Ela me perguntava sobre essas cicatrizes e meus cabelos todos quebradiços e eu não sabia responder. Se observar meu queixo vai notar uma marca de um corte profundo que também não me lembro como ocorreu. Para minha mãe foi um tombo após ter enchido a cara, mas eu nunca bebi na minha vida. Nunca!" -, declarava em choro a menina.

"Deixe-me ver" -, diz Cohen na gravação. "Anelise, de 14 anos possui marcas profundas de corte cirúrgico em todo o arredor da face. De acordo com o relatado ainda apresenta um corte no entorno da cabeça tampado pelo couro cabeludo, porém não nasce cabelo na região da cicatriz. Em seus braços e pernas há sinais de corte. E perfurações grossas como se fossem feitas nas espessuras de palitos de churrasco. Algo bem sobrenatural. Sua barriga está enorme, aparenta já ter oito meses, contudo, entre a noite do sumiço e o dia de hoje se passaram apenas três meses. No máximo poderia estar gravida há cinco ou seis meses se fosse pela concepção comum. Contudo, os exames realizados pela doutora Vanessa e o laudo pericial indicam ainda a virgindade, o que torna o caso ainda mais incomum" -, explica Cohen.

Após alguns segundos de silêncio na gravação Cohen retoma. "Gostaria de pedir a Doutora Vanessa que liberasse sua paciente para avaliar a fotografia que está em minha mão a fim de ver a reação de sua paciente frente ao possível causador de sua mudança de vida; doutora, examine a foto antes por favor e veja se é possível realizarmos o experimento" –pediu Cohen.

"Sim... (silêncio) É uma foto um tanto estranha mas creio que seja necessária para sabermos com o que estamos lidando" -, explicou Vanessa.

"Anelise, olhe para essa foto" -, pediu Cohen.

Gritos desesperados. "Os mesmos gritos que a menina do Hospital deu quando visitamos" -, lembrou Inês. "Todas nós vimos aquela coisa".

"Acalme-se, Anelise, acalme-se" -, dizia Vanessa durante a gravação. Apenass restava o choro dolorido da menina e um "vai passar" na voz doce da médica que levava Inês a crer que estavam abraçadas.

Ficou assustada e compadecida com a má sorte da menina. Deu uma pausa na fita e bebeu água. Ficou pensando como uma criatura horrível daquela conseguiria gerar um filho numa mulher sem ao menos tocá-la. Lembrou-se de Maria, a virgem, mãe de Jesus. Escolhida por Deus para ser mãe do Salvador, mas, no caso, a pobre menina foi usada por um monstro. Estava horrorizada consigo mesma e a comparação.

Preferiu não pensar mais nisso e retomou a audição. A cada visita da paciente com a sua médica Cohen registrou os dados colhidos. "Normalidade na gestação. Há um coração batendo dentro da adolescente". Na outra: "ultrassom revela um feto com características humanas dentro do padrão. A única anormalidade é a placenta excessivamente grande".

Noutra gravação, Cohen aparece mais formal: "22 de maio de 1995. O parto estava programado para hoje, de acordo com os estudos, a criança deveria nascer com quase 5 quilos; mas a criança não nasceu e não há dilatação na mãe, o que leva a crer que a vida gerada dentro de Anelise possa estar se alimentando viva através da mãe ou possui características alienígenas que não conhecemos".

Inês sentiu-se arrepiada. Ela lembra como foi duro a dor do parto e como era sofrido carregar Daniel no ventre.

A voz de Cohen cortou seu pensamento: "25 de maio de 1995, 22 horas" -, houve uma pausa maior que entonou o desânimo de Cohen. "Anelise faleceu às 6 horas e quarenta e cinco minutos em trabalho de parto. A criança nasceu com características humanoides. A protuberância nos olhos remonta aos extraterrestres cinzas, porém a criança é rosada e pesa cinco quilos e quatrocentos e cinquenta e dois gramas. A mãe não teve o descolamento da placenta. A criança nasceu sem o cordão umbilical que ficou preso à placenta da mãe. As amostras de tecidos colhidas para a análise da causa-mortis revelou infecção generalizada o que pode ter sido de fato a causa. Infelizmente uma grande perda para a ufologia e para a Humanidade. Devemos encerrar o caso Anelise por aqui e devolver o corpo aos familiares para se despedir. Mais adiante pediremos a exumação de Anelise e do bebê para melhor estudar o caso" -, finalizou Cohen.

Inês ficou petrificada e sem forças. Imaginou primeiro a rejeição da garota e depois o amor pelo filho, pois toda mãe, mesmo vítima de abuso acaba amando o filho que carrega no ventre. Aquela gravação era uma faca cravada no seu peito.

Respirou fundo para retomar as forças e começar a pesquisar nas revistas do filho o que era abdução. Precisava achar uma forma de obter seu filho de volta e ao contrário de Anelise, com vida.

Contratos VeladosWhere stories live. Discover now