Fábrica de mentiras

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"Estão se expondo demais! Instauraram o pânico generalizado na região toda; fizeram propagandas negativas com ações descuidadas. O governo não pode compactuar com as ações do Senhor. Não vou mais permitir tais ações desumanas dentro do meu estado!" -, pigarreou o governador Cirilo Sampaio pelo telefone. "Eu errei quando abri as pernas ao presidente permitindo a estadia de vocês com autonomia na Vila de São Sebastião" -, a voz daquele homenzinho era fraca e inexpressiva.

Zentchen se tornou intransigente: "Esse é um assunto de interesse da comunidade internacional. O Brasil não tem muito a opinar sobre o que se passa aqui. Não tem a tecnologia e nem a inteligência adequada para participar de uma ação dessas. O presidente é um mero joguete nesse tabuleiro. Tão logo o senhor será um peão eliminado se começar a bater de frente com os nossos interesses".

Do outro lado da linha, silêncio.

"Já pedi intervenção da Federação" -, informou a voz sem vida. "Logo receberá ordens para abandonar a cidade. A permanência dessa base de pesquisa não interessa ao nosso Estado e aqui a minha palavra é Lei. Passar bem". -, bateu o telefone.

Zentchen olhou o telefone irado e o arrebentou na quina da porta do furgão. "Esse governadorzinho não sabe o tamanho do problema que ele terá nas mãos se sairmos daqui" -, dizia o chinês esmurrando a porta do furgão violentamente para descarregar o nervoso.

O chinês era um homem inteligente e profundo conhecedor dos casos de ufologia. Isso o tornava uma pedra no sapato dos ufólogos, afinal, todo o conhecimento da área estava preso a ele e nada era divulgado e nem trocado em caráter científico.

Sempre que havia a chance de um ufólogo estudar um fenômeno, lá estava Zentchen ocultando tudo. Tal ocultação é que promovia descontentamento e medo entre os ufólogos. Quem ousou contrariá-lo sumiu do mapa. Era um sujeitinho perigoso. O próprio governador sabia disso. Já tinha pagado particularmente detetives para fiscalizar as ações de Zentchen. Em vésperas de eleições não podia deixa-lo estragar sua reeleição.

*****

--- 21 horas e 15 minutos.

Após o comunicado para não saírem de casa aqueles que já estavam protegidos a fim de evitar 'contaminação', o exército começou atender as pessoas que estiveram no 'olho do furacão'.

Os soldados fizeram um cordão de isolamento com arames farpados e caminhões. Ninguém passaria despercebido até a praça.

Do lado de dentro do isolamento, as pessoas faziam fila para serem atendidas nos caminhões do exército. Zentchen apareceu para fiscalizar o trabalho dos soldados. Observou um grande número de pessoas. "Ulysses tem razão, talvez não caiba no asilo. Vamos ter que remanejar os fatos" -, pensava consigo mesmo.

Chegou num soldado, debruçou ao seu ouvido e pediu para que encaminhasse algumas pessoas ao furgão para uma 'triagem especial'. O soldado já sabia que isso era o grito final da história dos escolhidos. Com os olhos atentos passou por entre as pessoas e procurou escolher os mais velhos. Não teria coragem de mandar para o leito de morte os jovens e as crianças. Quando percebia que haviam famílias formadas à sua frente deixava-os intactos. "Não macular a família, para não ter a minha maculada".

Os soldados de Zentchen procuravam se esquivar desses pedidos de cuidados especiais. Mas, tinham que fazer para não se tornarem eles próprios o alvo do implacável chinês. E assim, o soldado seguiu fazendo a sua tarefa criando de modo peculiar o critério de exclusão para a morte daqueles pobres e inocentes coitados do episódio da praça.

Em alguns minutos o chinês já estava triando as pessoas escolhidas pelo soldado. Zentchen preferia triar os escolhidos a escolher. Não carregaria um peso de morte tão grande em suas costas. Pois era um trabalho em parceria e acreditava que a culpa também seria dividida. Ao seu lado, um soldado anotava os dados pessoais dos entrevistados. Conforme a história de vida de cada um e os relatos do que viram, Zentchen aplicava um tipo de droga diferente.

Contratos VeladosWhere stories live. Discover now