2 | lost lotus

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Cura. Isso é o que todos querem que eu encontre, é a palavra que tanto me persegue em sonhos e em vida real, a cada passo dado, a cada respiração, mas ao mesmo tempo parece tão distante de mim, eles querem mesmo que eu a encontre, só não sabem que estou mais perdida que tudo. Sem respostas, sem explicações e sem caminho para seguir, apenas uma sala para visitar toda semana com a rotina de contar coisas a uma pessoa estranha. Esse era o meu caminho para a cura, um lugar vazio com móveis pálidos, paredes geladas e brancas e uma mulher magra sentada em uma poltrona. Isso é o que pelo menos eles pensam, é o que dizem pra si mesmos e para mim, nem sempre tenho forças para contesta-los, deixo pensarem que sabem, apesar de quase sempre querer gritar que estão errados até meus pulmões faltarem ar, tanto até explodir.

—Como se sente hoje, Andy? —A mulher se ajeita na poltrona nova que faz um barulho por não estar amaciada o suficiente, ela ergue sua caneta que em alguns segundos irão preencher a caderneta que esta apoiada em sua outra mão. Ela pergunta, mas sei que não é isso o que realmente quer saber, suspiro e depois de um tempo sinto vontade de corrigi-la. É Angel.

—Bem—Soou calmamente e desvio meu olhar.

—E como acha que está progredindo nisso tudo? - Olho de volta para ela e a vejo cruzar as mãos em cima de suas pernas pálidas, só consigo vê-las porque a saia se estende até acima do joelho. Ela parece ser mais sincera nessa pergunta, querendo realmente ouvir e entender a resposta, então ela continua—Você passou por algo muito grave, é normal demorar um longo prazo para—A interrompo assim que percebo o que irá dizer.

—Voltar ao normal? - Ergo as sobrancelhas esperando que a doutora concorde, mas ela inspira calmamente antes de me responder.

—Para se recuperar —Um sorriso gentil surge e toda essa sua gentileza me dá desconforto, na verdade mais do que isso, uma raiva cresce, vem do fundo e atinge meu peito, não sei como segurar, nem mesmo entendo de onde vem e como se expande tão rapidamente para todo o meu corpo,  meu rosto queima quando ela chega ao topo e quase posso imaginar fumaças saindo por meus ouvidos, sei que minha expressão muda automaticamente, independente do quanto eu queira que não.

O que posso responder agora? Como vou dizer a verdade sem parecer uma louca descontrolada e sem dar qualquer vestígio de que ela possa estar certa?

—Estou bem - Prendo a respiração para manter o controle e evito a voz tremula que quase escapa.

Ficamos em silêncio por um tempo após uma troca de olhares cheios de coisas que não são ditas e sentimentos que são menos ainda. Quero manter minhas postura e convence-la de que não há nada aqui, mas cedo depois de muito segurar e abaixo a cabeça levando meus olhos as unhas roídas dos meus dedos, que antes eram todas lindas e delicadas, antes de tudo, costumava pinta-las de branco ou nude, eu amava cuidar delas toda semana, mas agora mal as via, não eram mais uma forma de cuidado e sim de refúgio quando não sabia como agir, o que falar ou fazer, agora só enxergava pele por baixo delas, pele e sujeira, sujeira e sujeira. Mexo em uma cutícula que grita para ser puxada e lembro do porque sinto tanta vontade de arranca-la com os dentes. O famoso estalar do peito a cada segundo, a dor repentina ali e o desespero que cresce sem motivo e sem dar sinais antes de começar, as crises não eram rotineiras até eu voltar pra casa, isso nunca acontecera, não ate eu perde-lo, não até ele...

—Continua tendo o pesadelo? - A voz da doutora quebra o silêncio de repente e me lembro que ainda estou no consultório, de forma lenta eu assinto, quero sair logo daqui então sou sincera na resposta
—O mesmo?

—Sim - Respondo e logo sei o que virá a seguir.

—Conte-me ele.

—Eu já lhe contei diversas vezes - Fico irritada assim como nas vezes anteriores que fez o mesmo pedido, ela sorri fraco com toda paciência do mundo, posso jurar que em vidas passadas ela pode ter sido a Madre Teresa de tão santa.

Sweet CureWhere stories live. Discover now