Três - Diz a lenda

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Acordou horas depois, com o corpo todo dolorido, uma dor lancinante nas costelas; sua boca tinha gosto de sangue. Brianna chorou, chamou pela mãe várias vezes, sem entender o que fizera para merecer tanta crueldade. Por que faziam aquilo com ela?

No quarto escuro, ouviu o barulho de algo se movendo abaixo da cama, como se fosse um gato. Depois o barulho pareceu passar pela parede, subindo até o teto. Brianna olhava para o teto tentando identificar o que era aquilo, mas estava escuro demais. Gatos não sobem as paredes. Não daquele jeito.

Depois daquele episódio, a vida de Brianna virou um tormento terrível. Samer passou a maltratá-la ainda mais que a tia, e Coleen descontava a frustração das noites sem sexo na garota. Brianna passou a trabalhar dobrado, a comer pela metade, a apanhar por qualquer bobagem.

Nas poucas vezes que saía de casa, Brianna ia apenas à feira, ao campo, ajudar Coleen ou ao estábulo cuidar dos cavalos. A feira era constituída de um aglomerado de barracas, a maioria de forma abobadada, onde quase tudo era comercializado, desde frutas e animais até ferramentas. Certa manhã Brianna fora até a feira comprar comida; havia pastores negociando suas ovelhas, cavaleiros comprando ferraduras para seus cavalos e um número enorme de transeuntes. Ao entrar na barraca de comida, ouviu um grupo de moradores conversando, enquanto bebiam alegremente.

— Juro por Deus, meus amigos. Dizem até que São Brandão conseguiu chegar até lá.

Os outros gargalharam.

— São Brandão chegou à ilha de Hy Brazil? Essa ilha é só um mito celta bobo, nada mais.

Outro homem que entrara na conversa atrasado interrompeu-os:

— Do que estão falando?

— Da lendária ilha de Hy Brazil. Já ouviu falar?

— Não. Que ilha é essa?

— Trata-se de uma lenda celta. Dizem que Hy Brazil é uma ilha ao norte da Irlanda onde o clima é ameno, tanto que as pessoas andam sem roupa; lá há árvores nunca vistas e os frutos doces nunca provados; pássaros canoros, terra em abundância e os habitantes são iguais e livres; segundo a lenda, tem uma colônia gigante de borboletas lá onde várias espécies migram para o mesmo lugar, como um verdadeiro paraíso.

Os outros riram, mas o recém-chegado demonstrava interesse:

— Alguém já chegou lá?

— Sim. Segundo a lenda, há séculos atrás um monge chamado Brandão, que hoje é um santo, conseguiu chegar à ilha junto com quatorze outros monges. Bem, quatorze a sessenta, não se tem o número exato.

— Eu conheço mais ou menos a história de São Brandão. Dizem que ele era um monge navegador — o outro estava maravilhado com a história.

— Sim. Então, ele chegou à Ilha das Delícias, como também chamam essa ilha. Outros navegadores nunca conseguiram chegar a Hy Brazil por causa de uma espessa neblina que a envolve quando se aproximam. Dizem também que ela se move quando os navegadores chegam perto...

Os outros gargalharam novamente e o recém-chegado não resistiu e os imitou. O contador da história tomou um gole, dando os ombros.

Brianna ali perto estava maravilhada.

Então o paraíso existe. E se chama Hy Brazil... É para lá que mamãe foi quando virou borboleta. É lá o paraíso das borboletas...

Quando Brianna voltou para casa, algo havia mudado nela. Havia uma esperança acesa em seu mundo de angústia. O paraíso realmente existia, sua mãe a aguardava lá. Só precisava encontrar uma maneira de fugir de casa e procurar por esse paraíso chamado Hy Brazil. Precisaria de ajuda; nunca o faria sozinha.

    

Brianna e o Demônio [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora