Nove - Bruxa

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Brianna abriu os olhos lentamente, enquanto a imagem turva à sua frente ia tomando forma e sua consciência era recobrada. O rosto de uma mulher sorridente ficou bem nítido.

— A menina acordou, Majestade! — disse ela, olhando para um homem barbudo em um grosso manto que se aproximava.

— Graças a Deus! — disse a homem tocando-lhe o rosto. — Você está bem, criança?

Brianna tentou falar, mas sua voz não saía. Estava fraca.

— Não se esforce, querida! — o homem tocou seus lábios com os dedos, dando-lhe um sorriso tranqüilizador.

A mulher que se referira ao homem como "majestade" afastou-se por alguns instantes e retornou com um recipiente nas mãos.

— Beba, você precisa se alimentar.

Brianna obedeceu. Era algo doce, denso, que não soube identificar, mas que era bom. Estava em um enorme cômodo com paredes amarelas, com detalhes em madeira nas bordas; um lustre de velas pendia no teto. Estava sobre uma grande e confortável cama, cercada por móveis que nunca vira antes na vida. Percebendo os olhinhos de Brianna percorrerem o cômodo, o homem explicou, sentado na beirada da cama:

— Você está no Castelo de Cahir. Foi encontrada por dois dos nossos cavaleiros caída no gelo, quase morta. Demos-lhe um banho quente e a aquecemos próximo à lareira para tentar reanimá-la. Meu nome é James Butler; sou o conde de Ormond. De onde você veio?

A menina balançou a cabeça timidamente.

— Então não deve ser daqui. Perdeu-se de sua mãe?

Brianna tentou falar, mas os olhinhos encheram-se de lágrimas. James imediatamente arrependeu-se de perguntar.

— Tudo bem. Descanse. Tome esse mingau para tentar se recompor. — disse olhando para a criada —, quando ela se sentir melhor, me chame. Quero conversar com ela, descobrir de onde veio.

A outra assentiu e o conde afastou-se, dando antes um sorriso amigável para Brianna.

Do lado de fora do quarto, uma mulher aproximava-se pelo corredor. O conde fez um sinal para que parasse.

— Ela precisa repousar.

— Está consciente? — o rosto da mulher iluminou-se. Usava um longo vestido cheio de adornos; aparentava ter passado dos cinqüenta.

— Sim. Mas não descobri nada sobre ela. Deve ter se perdido dos pais; quando perguntei se tinha mãe ela quase chorou.

— Coitada... É uma menina tão linda...

— Não se apegue tanto, querida. Não sabemos nada sobre ela. Ainda é cedo para dizer se ela é bem-vinda.

— James, por favor! — ela fez cara de reprovação. — Não seja tão paranóico. É apenas uma garotinha.

— Eu sei — e pensativo, afastou-se, enquanto a mulher entrava no quarto.

Marduk escondia-se nas sombras, a salvo das luzes bruxuleantes das velas acesas no quarto em que Brianna estava. Fazia horas desde que havia acordado e, depois de se alimentar, a menina já se sentia melhor. O demônio observava o conde e a esposa sentados cada um de um lado de Brianna.

— Não se lembra de onde veio, Brianna?

Brianna pensou mais uma vez. Se dissesse que fugira de casa, eles a mandariam de volta para lá. Não queria nem imaginar aquela opção.

— Não sei, senhor.

— Mas como foi parar no meio da floresta sozinha na nevasca? — interrogou o conde com a testa franzida.

— Eu estava procurando por minha mãe.

— Onde mora sua mãe?

— No céu.

O conde e sua esposa se entreolharam. Era um momento embaraçoso.

— Oh, querida — a condessa passou a mão pelo cabelo loiro de Brianna. — Sua mãe partiu tão cedo...

— Mas estou indo atrás dela — a menina disse entusiasmada. — Ela está me esperando lá no paraíso das borboletas.

O barão mais uma vez procurou refúgio nos olhos da esposa, a situação tornando-se cada vez mais peculiar. Não sabia como lidar com aquilo.

— Brianna... Você não pode ir atrás de sua mãe. Ela não está mais entre nós. Para chegar até ela você precisaria... morrer.

— Não, não preciso não. O paraíso fica aqui nesse mundo e se chama Hy Brazil. É para lá que as pessoas vão depois de virarem borboletas.

Desta vez, foi a condessa que interveio, complacente:

— As pessoas não se tornam borboletas, querida. E o paraíso não fica aqui nesse mundo. De onde você tirou isso?

— A senhora não entende. Mamãe está à minha espera lá. Preciso ir e Marduk disse que vai me ajudar.

— Quem é Marduk? — interrogou o conde, estranhando o nome estranho.

— É meu demônio da guarda.

Tanto a condessa quanto o conde levantaram-se da cama num salto, olhando pasmos para a criança, como se fugissem de uma cobra peçonhenta.

— Do que está falando? Você tem um demônio da guarda? Foi isso o que eu ouvi?

— Ele é bonzinho. Ele está me ajudando a...

— Ela é uma bruxa! — gritou a condessa levando as mãos à boca. — Está disfarçada de criança para nos enganar.

— Guardas! — a voz estridente de James Butler ecoou pelo castelo. Logo, três soldados entraram, com as espadas em punho. — Levem essa criatura para o porão! Prendem-na e mandem chamar o padre ou qualquer monge que encontrarem.

Brianna assistiu perplexa os homens a agarrando e a levando dali, sem entender o que fizera de errado. Por que a chamaram de bruxa? Será que tinha dito algo que os ofendera?

Marduk aguardou todos se retirarem para que pudesse atravessar o teto como uma aranha. Esgueirou-se pelas sombras, farejando o cheiro de Brianna.

Tinha que tirar a garota dali ou eles a queimariam viva.

  

Brianna e o Demônio [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora