Capítulo 3

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Na última sexta-feira de setembro, Caíque acordou meia hora antes do despertador. Estava cansado e com sono, mas não conseguia mais dormir. Seu horário de acordar costumava ser às dez, para que tivesse tempo de assistir a um pouco de televisão, fazer algo que faltasse da tarefa, arrumar-se, almoçar ao meio-dia e pegar carona com a mãe de Melissa para a escola, pontualmente quinze para a uma, bem a tempo de chegarem para a aula que começava à uma da tarde.

Assim como durante a gincana no mês anterior, no entanto, aquele dia era uma exceção. Era a data de sua viagem em turma para o parque temático, e a programação era a de que chegassem nele às onze da manhã. Precisavam estar na escola às nove para pegar o ônibus, e isso o faria acordar às oito para arrumar uma mochila e lanches para o dia todo. Mas eram sete e meia, e ele já estava sentado na beirada da cama.

Conseguia ouvir as vozes dos pais na cozinha, mesmo de porta fechada. Seu quarto era o primeiro logo acima das escadas, e havia pouco tempo que ele tinha percebido que isso lhe dava ouvidos para basicamente a casa toda. Sempre fora acostumado com o barulho, mas antes achava que todo lugar era assim, até começar a perceber o que conseguia ou não ouvir de dentro dos outros cômodos. Isso lhe dera uma impressão animadora de espionagem por alguns meses, até começar a escutar coisas que não queria, como os irmãos discutindo sobre garotas e os pais falando sobre eles três.

Agora, por exemplo, o problema não era o que eles diziam, mas o medo que sentia de saber que eles ainda estariam em casa quando a mãe de Melissa buzinasse lá na frente para levá-lo à escola. Sentia o coração bater forte, de modo esquisito, que fazia parecer que ia parar de bater a qualquer momento. Seu cabelo estava grudado na testa por causa do suor que provavelmente ajudara a acordá-lo. E só o que sabia era que não queria passar um dia inteiro ao lado dos colegas de escola em um lugar desconhecido.

Pensou em várias coisas para dizer aos pais enquanto algumas lágrimas escorriam pelas bochechas. Enxugou-as nos ombros, com a camiseta parecendo quente em seu corpo, que ao mesmo tempo estremecia com calafrios desagradáveis. Se dissesse que não queria viajar com os amigos, os pais perguntariam o motivo. Caíque não saberia como explicar que não estava confortável sem dizer a eles o que vinha escutando dos colegas.

A ansiedade que sentia sobre o assunto já não era só porque a classe o atormentaria se os pais fossem reclamar. Nem de perto. Seu pai sempre dizia coisas feias à televisão quando escutava de meninos que gostavam de meninos. Caíque havia pensado melhor e, agora, também tinha medo de que o pai soubesse que os garotos falavam isso sobre ele.

Sentiu o corpo mole ao se levantar da cama e decidiu que não tomaria banho naquela manhã. Não se sentia bem para se esforçar assim, embora o corpo todo estivesse molhado. Passou apenas uma toalha onde estava mais grudento e vestiu o uniforme da escola com a camiseta dos Roxos de Raiva, como uma bandeira que celebrava a vitória que ele já desejava que não tivessem conquistado.

Desceu para a cozinha depois de respirar muitas vezes seguidas e checar minuto a minuto no espelho se as manchas cor-de-rosa do choro já haviam sumido de seu rosto. Sentou-se com os ombros encolhidos ao lado dos pais, olhando para a mesa depois de dizer um "oi", que mais saiu resmungado por questão de educação do que para que eles ouvissem e se sentissem cumprimentados.

— Que cara é essa? — o pai perguntou ao olhá-lo com uma risada fraca.

A mãe também o observou da bancada da cozinha. Caíque soube disso ao vê-la pelo canto dos olhos. Pensou em dizer que só estava cansado e que queria ficar em casa, mas sabia que eles não acreditariam. Havia falado na gincana durante o ano todo, e era claro que deveria estar animado para fazer aquela viagem com os amigos. Decidiu que responderia que tivera um pesadelo em que o ônibus batia com todo mundo dentro, mas guardou a mentira quando a mãe se aproximou e colocou a mão em sua testa por baixo da franja.

Ele quer dançarМесто, где живут истории. Откройте их для себя