Capítulo 8

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As manhãs de terça e quinta eram sempre maravilhosas e haviam melhorado ainda mais desde que Caíque ganhara o direito de levar uma mochila com roupas e produtos de banho para a escola de artes. Não precisava fazer malabarismos para esconder o macacão e a sapatilha, seguir com as desculpas para suar tanto durante as aulas de bateria, nem perder metade do almoço para se arrumar para o colégio. Quando o pai passava para buscá-lo, sempre atrasado, ele já estava de uniforme, pronto para comer a comida que dona Lourdes fazia – porque sua mãe odiava cozinhar e trabalhava fora a manhã toda –, pegar a mochila e passar a tarde no pequeno inferno que era sua sala de aula.

Caíque podia lidar com o inferno depois de passar horas incríveis na escola de artes. Apenas sexta-feira era o dia que parecia o mais triste de todos, com sua única manhã completamente livre, mas ele tentava se lembrar de que era apenas o último dia antes do final de semana. Logo teria almoços com a avó, longas tardes de música e a sessão ursos de gelatina com Melissa. Tudo se desenrolara bem pelas primeiras semanas depois da grande ideia que seu pai lhe dera de tomar banho após a suposta aula de bateria. Isso até o dia em que ele não pôde buscá-lo, e Caíque viu o carro da mãe estacionado lá na frente.

Abraçado na mochila, com um sentimento ruim de que algo daria errado, ele se sentou no banco de trás. Os irmãos ocupavam o assento à sua direita e o do passageiro ao lado do motorista.

— Caíque! — eles gritaram ao mesmo tempo e balançaram as mãos na frente do nariz. A mãe sempre dizia que isso era coisa de gêmeos, mas já fazia um tempo que ele desconfiava de que os dois haviam apenas batido muito forte a cabeça uma na do outro quando dividiam o berço.

Desta vez, no entanto, não tardou a entender que a implicância não tinha apenas o intuito de implicar. Quando a mãe colocou o rosto entre os bancos e olhou diretamente para ele, Caíque engoliu forte e esperou para descobrir o que estava acontecendo.

— Tem um bicho morto na sua mochila, ou é você? O que tá carregando aí dentro?

— Roupas — respondeu com o pouco de voz que conseguiu juntar; o pulmão fechado atrapalhava o processo da fala.

— E você tomou banho direito? — A voz estridente da mãe fez com que ele balançasse a cabeça em um sentido afirmativo bem enfático. — Coloque isso tudo pra lavar assim que chegar em casa.

Caíque assentiu outra vez, em silêncio, e esperou que ela saísse com o carro para voltar a abraçar a mochila. Sabia que seu macacão não estava cheirando bem já fazia algumas aulas, mas o pai nunca havia reclamado disso. Agora precisava encontrar alguma coisa que estivesse cheirando muito mal para colocar para lavar no lugar dele, mas não sabia como poderia usá-lo novamente sem que as meninas começassem a sentir nojo, sem que levasse uma bronca da professora ou, pior, sem que os pais começassem a desconfiar de alguma coisa.

Correu escadas acima sob os gritos da mãe para que colocasse a roupa para lavar. Entrou no quarto e pegou a camiseta que havia usado para ir até a aula da manhã. Esfregou-a bastante no suor do macacão, antes de enfiá-lo debaixo da cama. Depois levou a camiseta e o restante da roupa da manhã até a área de serviço, onde deixou com dona Lourdes, que estava tirando um bolo de roupas da máquina enquanto ficava de olho nas panelas em cima do fogão e preparava um balde com produto de limpeza para passar no chão da cozinha após o almoço, como sempre. Para ele, ela era como a Mulher-Maravilha. Tinha certeza de que costumava vê-la com três ou cinco braços quando era mais novo e passava as manhãs em casa, sem fazer nada, apenas assistindo a desenhos enquanto a via limpar cada canto das paredes.

A boa notícia era que ela vinha limpando seu quarto todas as manhãs, desde que começara a passar a maior parte delas fora. Assim, ela não seria a primeira a entrar nele, sentir o cheiro rançoso e encontrar o macacão escondido. Com um pouco de sorte, a mãe estaria ocupada demais naquele dia para voltar para casa mais cedo e decidir entrar em seu quarto por motivo nenhum. Confiando nisso, foi para a escola pensando no uniforme de dança. Imaginava que assim estaria cuidando dele para que ele ficasse protegido dos intrusos que poderiam colocar tudo a perder.

Ele quer dançarWhere stories live. Discover now