Capítulo 9

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Era a primeira chance que Caíque teria de estar de verdade em um palco. Com exceção do episódio estressante na gincana da escola, menos de um ano atrás, ele nunca havia se apresentado diante de uma grande plateia. Mas isso também não aconteceria tão cedo. A apresentação do primeiro semestre da turma de balé se daria dentro de algumas semanas; ele não tinha um papel importante na coreografia e não saberia como explicar aos pais que sairia em um sábado sem ter que convidá-los para assistir.

O problema apareceu apenas no momento em que ganhou um pequeno solo na aula de canto. Percebeu que não poderia aceitá-lo, pois não teria como participar do evento. Naquela manhã, saiu da aula e passou na sala de Olívia. Pediu para que ela conversasse com Thalita, a professora de balé, para que ela soubesse que gostaria de continuar o treino com a turma, mas não deveria ter uma marcação de palco. A dona da escola disse também que avisaria a André, o professor de canto.

Não era o modo como ele gostava de viver suas segundas-feiras, quando normalmente chegava em casa com a música ensaiada na ponta da língua e tomando cuidado para não a cantarolar na frente de todo mundo. Era um dia muito menos musical do que ele costumava viver. Sua cabeça passou horas a fio em silêncio, como se pudesse ouvir um apito lá no fundo. O que as pessoas diziam não chegava a ele como deveria, e seus pensamentos não se focavam em nada que tivesse importância para tirá-lo daquele limbo.

Talvez por isso, entrar em casa depois da escola e ouvir os gritos dos primos no andar de cima tenha feito sua cabeça latejar como se estivessem tocando um bumbo dentro dela. Caíque achava injusto que as férias de inverno dos irmãos começassem uma semana antes das suas, só porque eles estavam no nono ano. Achava muitas coisas injustas, como a opção que a escola dava aos alunos mais velhos de não participarem da gincana. Ele ainda precisaria ficar perto dos colegas durante uma semana inteira no próximo semestre, ou não levaria apenas todas as faltas, mas também uma advertência. Queria que existisse uma forma de perder aqueles mil pontos que havia ganhado no ano anterior.

Um dos primos apareceu na ponta da escada e acenou para ele:

— Caíque, seu irmão tá te chamando.

— Ele não vai com a gente, Beto! — Um grito ecoou do quarto. Caíque não soube reconhecer de qual gêmeo ele vinha, e isso era cada vez mais frequente, mas o primo se manteve firme no topo da escada. Não teve outra opção além de subir e segui-lo.

O quarto dos gêmeos era um ambiente de entrada restrita para ele, sempre sob supervisão ou para quando precisasse de alguma coisa sem que eles estivessem em casa. Ainda assim, nada havia mudado desde a última vez que entrara lá, quase um ano atrás. As paredes ainda eram amarelas, de uma cor que ele sempre havia relacionado a ovo podre – ou talvez fosse o cheiro dos gêmeos –, e as prateleiras estavam no mesmo lugar com sua coleção de Hot Wheels e bonecos de ação. A única diferença era que, agora, havia sete pessoas dentro dele. Os irmãos e seus cinco primos.

Fazia muito tempo que, por algum motivo, não tinha interesse de descobrir o que estava acontecendo na vida deles. Era sempre mais do mesmo: garotas, futebol, judô, natação, e agora eles haviam conseguido um violão e achavam que estavam aprendendo a tocar sozinhos. Caíque não sabia tocar, mas sabia que não devia ser daquele jeito.

— Olha. O que você acha disso? — Um dos primos apontou para um vídeo na tela do computador. Rolando os olhos, um dos irmãos iniciou a reprodução para que ele visse. — Nós vamos no final de semana, lá em São Paulo. Seu pai vai levar a gente. Por que você não vai? Não é da hora?

A filmagem mostrava um campo de futebol, com muitas pessoas segurando objetos que soltavam faíscas, que ele não sabia o que eram, e gritando alguma espécie de hino. Ele reconheceu os escudos do Corinthians, o time para o qual todos eles torciam. Mas não foi o barulho do vídeo que fez suas orelhas arderem. Por algum motivo, ele tinha um pouco de nojo da gíria da hora. Talvez fosse porque os meninos de sua sala a usassem o tempo todo.

Ele quer dançarWhere stories live. Discover now