➺ um quarto

933 134 96
                                    

peter's shadow
kim taehyung - park jimin
Neverland, 113 years after Peter Pan

۝

A última lembrança que Park Jimin tem da Coreia do Sul é o frio.

Seu último dia naquele mundo foi no fim de um dezembro cheio de neve, abraçado com um ursinho de pelúcia enquanto observava as últimas barrinhas de bateria do celular desaparecerem, junto com sua esperança de receber uma ligação. O menino de Busan havia sido abandonado pelos pais em Seul, com uma mochila mal recheada de roupas, um celular e um urso tão velho quanto ele — disseram que ele iria visitar uma tia, mas, no lugar em que a tal tia deveria estar, havia apenas uma casa abandonada.

Ligou para os pais tantas vezes no primeiro dia que acabou com todos os créditos, mas eles não atenderam ou responderam aos recados, tentou pedir ajuda a pessoas mais velhas, mas elas não gostavam de jovens que pediam favores. Os dias se passaram, o pouco dinheiro foi ficando mais escasso, estava prestes a acabar quando os pais ligaram dizendo que não o queriam mais, e que ele deveria procurar um abrigo para viver até os dezoito. Jimin já morava na rua há três semanas quando o inverno chegou, tinha apenas as roupas do corpo, todo o conteúdo da mochila foi vendido pela primeira oferta, o celular havia se tornado tão inútil que rodaria no próximo ronco que sua barriga desse. Ele foi para um abrigo naquele dia, por que estava nevando muito forte, e mentiu dizendo que já tinha dezoito, para não encrencar os pais. Foi bom tomar sopa quente e se deitar em algo que não fosse papelão, mas os buracos nas paredes de madeira deixavam muito do ar frio entrar, fazendo-o se sentir lentamente congelar. O sangue engrossando, os músculos endurecendo... tinha medo de que os tecidos de seu corpo rachassem caso se movesse, então decidiu finalmente dormir.

۝

Quando acordou, logo notou que já não estava mais em Seul. Sentia o calor do sol morder sua pele, e a aspereza da areia embaixo de seus dedos — os casacos, de repente, não eram necessários, e o som da água do mar era tão calmante que ele quase voltou a dormir.

Acho que morri — pensou. —, morri e estou no céu.

E nem estava triste com isso; se morrer fosse tão bom assim, ele não entendia por que as pessoas gostavam tanto de ficar vivas. Aquele lugar cheirava como em casa, a maresia, o odor leve de mato fresco e o peso dos minúsculos grãos de areia que eram carregados pelo vento. Abriu os olhos aos poucos, esperando ver o mesmo mar acinzentado que cresceu observando, na espuma se desfazendo contra encostas rochosas e gaivotas sobrevoando o céu. Foi um choque, para ele, se deparar com uma extensa faixa de areia coberta por pequenos objetos brilhantes, tocada preguiçosamente por um mar verde e transparente — aquele lugar não era nada parecido com Busan, seu lar, parecia com algo que você vê em um sonho.

Jimin demorou um segundo para perceber a sombra pairando sobre si, mas quando a viu, deu um pulo enorme. Era um garoto, sentado de pernas cruzadas bons oitenta centímetros acima do chão, o observando como se ele fosse algum tipo de anomalia. Assim como tudo naquele lugar, ele parecia brilhar meio dourado, como se tivessem o salpicado com ouro em pó. O louro quis gritar, mas sua garganta estava tão seca que a única coisa que saia eram ruídos engasgados — o garoto sorriu, meio alheio ao medo de Jimin, e colocou os pés no chão.

— Eu acho melhor você não tentar falar por enquanto. — o ser disse (Jimin estava convencido de que ninguém pintado de ouro e flutuante poderia ser humano.) — As fadas disseram que é uma viajem de três dias da sua terra até aqui; você deve estar com sede.

nefelibataWhere stories live. Discover now