Capítulo IX - Vias de fato (INÉDITO)

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A consulta daquela semana tinha sido especial, já que pela primeira vez Annemarie conseguiu distinguir a forma do bebê sem ajuda do médico. Lúcia segurava sua mão, traduzindo a fala rápida do obstetra, mas a grávida não estava minimamente concentrada naquilo: sua vista passeava pela tela, onde as sombras e luzes mostravam o corpo da sua criança, os bracinhos e perninhas agitados numa dança suave dentro do liquido amniótico. O aparelho captava e transmitia todos os sons de cada pequena ondulação e do coraçãozinho que batia frenético dentro dela, emocionando a mãe e a prima.

- "Ele está perfeito e parece muito saudável..." - Raoul continuava seu monólogo, sorrindo para as duas mulheres. Porém, o cérebro de Marie voltou ao senso quando ouviu Lúcia começar a traduzir a visibilidade do sexo da criança e protestou.

Não queria saber, nem especular. Sua criança seria uma surpresa, desde a descoberta da gravidez até o final.

Até o novo começo de sua vida.

Quatro meses de gestação. Cada ondulação no ventre era um milagre à parte, cada vez que olhava para o corpo, que começava a ficar deformado e nu ao espelho, sentia-se a mulher mais afortunada do mundo. Aquela bolinha alojada em seu ventre era dela, de mais ninguém. E não precisaria dividir seu presente. Não adivinhara a reação pasma de Felipe, o pai do bebê, porque ela não acontecera. Sabia, no entanto, que ele não ia querer problemas em relação à paternidade, logo ele, que acabara de entrar na faculdade de administração que sempre almejara. Não imaginara como seria fácil conversar com ele e ver que realmente não era pra ter dado certo aquele relacionamento com ele, porque, apesar de tudo, temia que Lúcia e o resto da família estivessem certos: Felipe poderia querer tomar parte naquela jornada. E ela não estava pronta para se doar e dar a sua criança como se fossem a família perfeita e funcional que um dia desejou ser com ele. As falhas naquela peça eram as causas para ela estar na Itália, grávida dele, com um bom emprego e feliz.

Distante de tudo.

Longe de quem amava.

Sozinha.

Lúcia sorriu sem graça para o médico. Raoul Millano, assim que entendera a vontade da mãe em não saber o sexo da criança, realmente não falou mais nada a respeito, deixando a prima de Marie louca de curiosidade. E já fora do consultório, devidamente vestida e babando nas imagens impressas da ultrassom, Lúcia não conseguiu mudar a resolução de Annemarie.

- Deus do céu, você tinha que ser mesmo tão teimosa assim? - Marie não esperava que alguém ansioso como Lúcia a compreendesse. Deu de ombros, sorrindo.

- É a minha loteria, Lú. Meu pequeno feijão da sorte... - longe de tranquilizar a prima, a fez dar um tapa no seu braço, de tanta frustração.

- Um feijão mesmo! Você ouviu o que o doutor disse, não ouviu?

- Eu ouvi, mas pelo visto meu entendimento de italiano não está tão bom assim... - só fez inflamar ainda mas o ânimo da prima.

- "Abaixo do peso adequado à idade gestacional", você e o feto. Se ele não visse nem sombra dele naquele monitor daria no mesmo! Nem barriga de quatro meses você tem ainda!

- O que eu podia fazer antes, Lúcia, se tudo o que eu como esse bebê coloca pra fora? - Lúcia teve que concordar.

- Isso vai melhorar, piccola, ele te receitou um remédio para enjoo e você vai poder comer em paz. - desviou o olhar de Annemarie e acrescentou, testando-a. - E parar de desmaiar por aí.

- Foi só uma vez! - Annemarie corou com a lembrança. Desmaiar tinha sido o de menos, já que vomitara as tripas em cima de Vincenzo di Cacciamanni. Inclusive, acreditava que seu corpo resolvera desmaiar em resposta a esse ocorrido, já que não podia diretamente morrer de humilhação. E como se soubesse por onde passavam os pensamentos de Marie naquele momento, Lúcia cutucou o assunto com precisão cirúrgica.

O beijo do italiano - COMPLETODonde viven las historias. Descúbrelo ahora