CAPÍTULO • 02 (Degustação)

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CAPÍTULO 02

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CAPÍTULO 02

SERENA

EU ESTOU MUITO ferrada!

Tudo bem, isso acontece quase todos os dias. Estar é um eufemismo simplório para amenizar o óbvio. Eu sou ferrada! Mas, excepcionalmente hoje, parece que o universo resolveu colaborar ainda menos com a minha existência.

Seria pedir demais que, pelo menos uma vez na vida, as merdas não acontecessem todas de uma vez? Não quero parecer ingrata ou coisa parecida, sei que existem pessoas pelo mundo afora em situações muito piores que a minha, mas isso não muda o fato de que continuo afundando no poço.

Ah, droga! Não devo pensar de forma tão pessimista. Duas demissões em menos de quinze dias? Posso lidar com isso, eu consigo! Serão dois dias livres a mais na semana, talvez eu arrume um emprego mais promissor, com diárias melhores. Quem sabe? Talvez exista uma razão, um objetivo que ainda não consigo enxergar por trás desta maré de azar que perdura por longos vinte e cinco anos.

O pobre senhor Bunowski abre e fecha a boca diversas vezes, buscando por palavras adequadas que não existem para esse tipo de situação; a folha treme entre seus dedos por causa do Parkinson. Fui sua primeira funcionária, coitadinho. Depois de trabalhar em todos os sábados e domingos dos últimos três meses na loja de conveniências, o homem ainda não encontrou uma forma amigável de explicar por que resolveu me colocar no olho da rua.

— Está tudo bem — digo, após minutos constrangedores. Ele estica o papel e, como previsto, é uma belíssima dispensa.

Adeus mundo dos assalariados, olá mundo dos desempregados, pobres e fodidos!

Poderia ser pior o cacete. Estou lindamente ferrada aqui!

— Sinto muito, Serena — lamenta, os olhinhos desviando dos meus. Não duvido do seu pesar. — Espero que entenda, você é uma ótima funcionária, mas, depois daquele episódio, não tenho muita escolha, entende? As pessoas estão comentando.

O episódio em questão aconteceu na semana anterior, um evento que prefiro esquecer, envolvendo uma cliente intrometida e curiosa demais para o seu próprio bem, e um riquíssimo terno — que deve custar meus dois pulmões no mercado negro — sendo estragado por um copo de mors feito com mirtilos, depois que o joguei na cabeça da infeliz.

Certo, ao menos eu mereço essa demissão.

— Foi um prazer trabalhar para o senhor. — Entrego o documento assinado, retiro o avental por cima da cabeça e o coloco sobre o balcão. A estampa de um piroshki sorridente me encara do tecido, a pior logomarca que já vi na vida. — Sinto muito pelo que aconteceu no outro dia, não devia ter perdido a cabeça.

— Você é muito estourada, Serena — repreende-me, ajeitando os óculos na ponta do nariz, e me olha através do vão que se forma acima da haste dourada. Alguns poucos cabelos acinzentados escapam pelas beiradas da sua touca desbotada. — Um dia ainda vai se meter em confusão.

Entre Acasos e Destinos | LIVRO 2 | DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now