O delicado estado de Nia

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Já era o segundo dia no qual Nia não falara sequer uma palavra. Antes era mais fácil compreender tal comportamento, com o choque da descoberta do corpo da mãe, o velório, o sepultamento e o sofrimento da família era esperado que ela passasse por alguma espécie de bloqueio, mesmo que antes de toda a tragédia minha esposa fosse a mais comunicativa das mulheres, a perda de uma mãe faria até o mais cruel dos homens implorar por piedade.

Mas era pior do que parecia. Petúnia não comia, não atendia ao chamado das necessidades fisiológicas e nem mesmo focava os olhos em algum lugar. Quando eu chamava seu nome, Nia apenas ficava parada, sem olhar, sem se expressar. Se não estava assim, perdida em seus pensamentos, ela chorava. Às vezes como quando encontrou o corpo da mãe, outras vezes era apenas um lamento abafado.

Comunicativa... Analisei minha trajetória com Nia e percebi o quanto ela tinha mudado em pouco tempo. A mulher sentada em uma poltrona no canto do quarto não era nem a sombra de seu passado, segura, firme e destemida.

Escrutinei seu olhar perdido no espaço, mirado em uma parede do quarto e me senti culpado pelo seu sofrimento.

Era óbvio que metade da culpa era minha, eu deveria ter me entregado à polícia para que se acelerassem as investigações acerca do assassino e, para que Juan fosse encontrado.

“Lembre-se de mim, irmão.”

Como me lembrar de alguém que eu nem sabia que existia?

Não adiantaria mais me lamentar, era preciso cuidar de Nia, sua família não tinha condições psicológicas de apoiá-la e ela não poderia mais cuidar de si, o que significava que, me entregar, estava realmente fora de questão. Então eu só tinha uma saída.

— Amor... — Encurtei o espaço entre nós a passos largos, ajoelhei à sua frente e peguei suas mãos. Nia não olhou para mim. Nem mesmo sua respiração se alterou. — Você precisa ir a um psicólogo.

Sem resposta. Nem um milímetro de movimento. Nem uma diferença no olhar. Poderia considerar uma enorme sorte que ela ainda dormisse e acordasse, mesmo que chorando, mesmo que não levantasse da cama, mesmo que tivesse urinado no colchão.

— Você vai. Vou entrar em contato com um, é importante. — Me senti ridículo, como se falasse sozinho. — Ainda hoje. Depois vamos escolher um lugar bonito para ser nosso novo lar. Você prefere campo ou litoral? — Nenhuma resposta. — Não importa, vamos achar um lugar bonito, faremos um jardim que será visitado por muitas borboletas. Escreverei um livro de poesias e lerei para você. Podemos ter roseiras.

O inesperado aconteceu quando a palavra “roseiras” foi dita. Nia começou a gritar e chorar como se tivesse sido espancada. Dei-me conta do erro um pouco tarde, provavelmente aquilo a remetia para lembranças ruins.

Tomei nota mental para não plantar roseiras e nem mesmo mencionar a palavra.

— Tudo bem, tudo bem... — Tentei acalmá—la enquanto a abraçava. — Passou. Tulipas. Teremos tulipas. Roxas. — O choro se acalmou, então persisti na estratégia. — Vou colocar uma no seu cabelo e vai combinar com a cor dos teus olhos. — Forcei um sorriso na esperança de transmitir tranquilidade. — Agora, vou ligar para um psicólogo e mais tarde vamos procurar um novo lugar para morar. — Continuei sorrindo, Nia tinha voltado a seu estado inicial.

Levantei-me e iniciei a busca de um bom psicólogo.

♠♠♠♠

— Então, onde você deseja ir primeiro? — Nico perguntou enquanto eu pegava meus pertences.

Passei a noite acordado pensando no velório de Lianmar e na forma como ela tinha morrido. A culpa era nossa por ela ter se envolvido no caso do assassino, mas apesar de culpar Nico, eu sabia bem que a culpa era minha em primeiro lugar. A mulher foi envolvida pelo turbilhão das circunstâncias quando tentou me tirar da clínica por meios legais.

A Rosa do Assassino [Concluído]Where stories live. Discover now