Nebulosas

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Fiquei bastante curiosa depois que o Benjamin saiu. Tinha alguma coisa séria acontecendo ou o médico não ia tê-lo chamado daquele jeito. Aproveitei que Suzana, a enfermeira de quintas- feiras veio ver como eu estava, logo após a saída nada furtiva dos dois. É lógico que eu ia tentar pegar informações.

Já tinham se passado algumas semanas desde que acordei, e entre esses dias fui aprendendo o nome dos funcionários e me tornando um pouco íntima de todos. Àquela altura já sabia o nome de todos que vinham cuidar dos poucos curativos que ainda me restavam pelo corpo. Eles tinham uma escala precisa, que na falta de coisas interessantes para se fazer dentro de um hospital, consegui decorar:

Elias, um rapaz careca, sempre de sorriso nos lábios grossos vinha aos Domingos. Ele gostava um tanto de pagode, sempre estava cantarolando um. Apreciava sua bela voz, e pensava que se não fosse pela mãe pobre e doente, gastaria o tempo que gastava comigo e os outros pacientes cantando em alguma gafieira. Algumas músicas ele sempre repetia, como aquela "deixa a vida me levar". Quando estava sozinha me pegava cantarolando ela, para passar o tédio.Helena, a moça de pele clara e sardenta vinha normalmente às segundas. Ela amava o que fazia. Sempre comentava saudosa de alguma lição no curso de enfermagem conforme realizava os procedimentos.Terça era dia de Vicente. Um rapaz atrapalhado, de cabelos bagunçados e aparelho nos dentes. As terças eram inesquecíveis, afinal, sempre alguma coisa engraçada acontecia: ou ele derrubava remédio no suco do almoço, tropeçava entrando, tirava minha peruca do lugar.. Mas era bastante profissional e nunca cometeu algum erro comprometedor para seu emprego. Ao menos era o que se orgulhava em dizer.Quarta, Selina. Uma moça que devia ter mais ou menos minha idade pelo porte. Foi conversando com ela que concluímos juntas que eu devia ter entre 20 e 25 anos. Ela explicou algumas coisas lá sobre anatomia, que estudava na faculdade de medicina que cursava à noite, com o salário do ofício. No meio das palavras difíceis, captei que existe um ossinho no pulso, que pelo estado dele dá para se ter uma estimativa da idade da pessoa. Lembro de ter passado a esfregar meu pulso quando o desespero começava a querer apertar a partir do dia em que ela me disse isso. É um tique muito discreto. Só faço quando preciso me certificar de que tenho uma história, uma identidade, e de alguma forma ela ainda vai comigo mesmo que eu não me lembre.Suzana era uma figura. Negra, com seus lindos cabelos trançados e um corpo pequeno, porém forte, ela era a fofoqueira oficial do hospital. Não perdia a oportunidade de falar suas impressões de algum médico plantonista ou de algum paciente novo. Cada poeira do hospital aquela mulher conhecia, era impressionante.

Sexta e Sábado era por revezamento, então não tinha um padrão nesses dias.

Sendo assim, a presença de Suzana veio a calhar. Tentei tirar o máximo possível de informações dela.

— Oii, minha enfermeira predileta!

— Oii, menina! — Ela estava mais atenciosa que o normal. Veio logo ajeitar meu cabelo falso, esticou a cama, começou até a girar de empolgação.

— Poxa, porque está tão empolgada?

— AAAaah! Já, já você vai fazer; já, já.

— E eu não posso tentar saber, não? Você sempre conta o que está acontecendo no hospital... — Como podem ver, eu realmente utilizava técnicas ninjas e avançadas de conseguir informação.

Ela fez uma cara bem estranha em reação ao que eu disse. Soube tempos depois que estava em um guerra interna. De um lado seus instintos de sair falando tudo por aí, do outro, a ordem que tinha recebido de manter a boca fechada. Ela permaneceu com aquela careta estranha um tempinho,enquanto espanava as coisas apressadamente pelo meu quarto e guardava as bandagens e aparelhos que restavam ali. Estava tão afobada que parecia até que iria esvaziá-lo para outra pessoa ocupar. Ela catava até fios de cabelo sob o móvel ao lado da minha maca. E ajustava a cama, nervosa. Eu estava em pé, no outro canto do quarto. Não precisava mais ficar de cama, nem eu aguentava mais.

Estrelas PerdidasWhere stories live. Discover now