25 - Um nome, uma definição, uma essência

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Na semana seguinte o cheiro fraco da Alma deu lugar a nada. As olheiras se recusaram a sair daquele rosto de um tom branco doentio e pálido. O cabelo negro como a noite perdeu o brilho e o viço.

No meio de um ensaio ela teve uma crise e uma parada respiratória. Foi levada ao hospital às pressas e ligada a um emaranhado de fios e aparelhos que tinham como objetivo suprir o que seu próprio corpo não era capaz de fazer sozinho. Estou morrendo.

Alma estava deitada naquele leito e naquele quarto há vários dias, onde tudo tinha cheiro de dor. Ela passou a noite lá com a mãe. Os médicos estavam fazendo exames, mas ninguém sabia o que ela tinha. Os resultados que chegavam eram estranhos e conflitantes, impossibilitando o diagnóstico da doença. Não adiantava procurar, eles nunca conseguiriam tratar o que a colocou ali. Ninguém podia.

Alma. Saboreei a pronúncia e o sabor daquele nome, daquela palavra. Alma. Não era curioso que entre centena de milhares de nomes, a minha bela dama se chamasse justamente: Alma?

Na língua adotada pelas pessoas desse país, a palavra alma pode não ser um nome próprio, mas sim um conceito. A palavra alma pode ser definida com aquilo que dá vida a um corpo. Ambos não podem ser explicados separadamente. A parte imaterial de um homem. A natureza moral de uma pessoa. Alma. Um conceito de sinônimos tais quais: princípio vital, consciência, espírito, pensamento, caráter, psique, personalidade, sentimento, essência. Alma. Vida.

Ainda de acordo com os amigos dela, na área da música — claro que o nome dela tinha que ter alguma ligação com isso, não podia faltar! Esse pensamento me fez rir. — alma também pode nomear um pequeno pedaço de madeira que é colocado no interior dos instrumentos de corda da família dos violinos. Esse elemento ajuda a suportar a pressão das cordas, ela dá sustentação e comunica as vibrações produzidas a todas as partes do instrumento, produzindo enfim, o som. A alma de um violino é a alma do seu próprio som.

Contornei com delicadeza a pele frágil de sua face. Pálida e fria. Desbotada sem calor. Alma. Ela é a minha alma nos dois sentidos da palavra. Ela é a moça e a essência. Que acaso do destino, não? Escolher um nome tão apropriado para a minha amada?

— Você é a minha alma, carissimi. Não posso ser explicado separadamente.

Alma não é só uma palavra para mim. Ela é o meu verbo. Ela é a minha essência, o meu princípio vital, o meu espírito, todos os meus pensamentos, a razão da minha consciência, quem me ensinou a ter caráter. Ela me ensinou a ser uma pessoa. Alma é a sanidade da minha psique, a minha personalidade, a nascente dos meus sentimentos. Sem uma alma um violino não tem som. Sem ela sou um ser inútil. Ela é a minha sustentação. Ela é tudo o que me preenche. Sem ela sou o vazio. É ela que me dá vida. É ela que faz de mim o que eu sou. Sem ela sou um corpo, com ela sou um homem.

As pálpebras delicadas tremeram e os olhos se mostraram, cansados, através de pequenas frestas.

— Bom dia. — um sorriso fraco falou entre lábios secos e rachados.

— Oi, carissimi. — um beijo delicado sobre a testa.

— Onde está a minha mãe? — perguntou.

— Ela desceu um pouco, acho que foi tomar um café. Quer que peça para ela subir?

— Não, tudo bem. Eu queria te dar uma coisa, mas não pode mostrar pra ela.

— Um segredo? — forcei um sorriso.

— Pode-se dizer que sim. — uma voz de bom humor que não refletia em nada a aparência do corpo. — Também tenho meus mistérios, estranho e lindo de morrer, que tem dormido muito pouco ultimamente, me contaram essas olheiras aqui. — Alma acariciou o meu rosto. Quase morri ali mesmo só com a saudade que senti provocada por aquele gesto. — Mas não está aqui comigo, está no meu quarto, na minha escrivaninha, por baixo das tralhas, na última gaveta.

— E o que eu devo procurar? — impedi a minha voz de tremer.

— Você vai saber quando encontrar.

A mãe dela me expulsou quando acabou o horário de visita. Eu não queria esperar até o dia seguinte, mas a Alma me repreendeu sem dizer uma palavra.Eu estava expressamente proibido de invadir de novo o hospital. Droga.

Fui pra casa, tomei um banho, mas me esqueci de comer. Depois que o movimento da rua cessou e a cidade dormiu, eu fiz o que sempre fazia, entrei pela janela do quarto dela e foi inevitável sentir a opressão de não ver um corpo deitado sob as cobertas. O forro da cama perfeitamente arrumado, sem uma ruga fora do lugar. As almofadas em seus devidos lugares, formando uma cabeceira macia. O lugar estava limpo e perfeito... como se não tivesse mais um ocupante.

Fixei os olhos e a mente na escrivaninha tentando me acalmar. O desespero era pulsante. Tinha uma coisa ali pra mim. Eu precisava encontrar.

Agachei-me no chão e abri cuidadosamente o objeto que deslizou com suavidade em minha direção. Lá dentro, um emaranhado de papéis olhou para mim. Folhas soltas de caderno, inteiras, rasgadas, lisas ou amassadas. Folhas brancas de impressão rascunhadas ou prontas para isso. Levantei alguns desses papéis e o canto de um objeto volumoso apareceu. Conheço isso. Esse colorido amarelo alaranjado. A cor do outono.

Meus dedos correram sobre a superfície irregular da folha seca, colada sobre uma capa dura. Segurei o objeto com a mão, os outros papéis escorreram para dentro da gaveta e antes que ele tivesse deixado completamente o seu esconderijo eu li as palavras caprichosamente bordadas na capa:

O jeito como eu te amo.

Perdi um compasso do meu coração. A música desafinou e saiu de sintonia. Era um álbum de fotografias. Rodeada por folhas secas de outono, uma foto no centro mostrava a nós dois sob o brilho dourado de um sol gelado. Os meus joelhos fraquejaram e eu precisei me sentar, apoiado de encontro ao móvel antigo.

Não posso fazer isso. Não vou conseguir. A pressão dentro do peito era tão grande que não deixaria alternativa a não ser sair por algum lugar.

Abri a capa. A lágrima pingou no opaco do papel pardo.

 A lágrima pingou no opaco do papel pardo

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Mais um pouquinho de drama! =)

Pode chorar, Gael, a gente não vai contar pra ninguém, prometemos!

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Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora