45 - Fuga

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— Ramon. Ramon! — chamei. — Ei. Olhe para mim. Preste atenção no que eu vou falar. O garoto se esforçou para parar de tremer e focou em mim. — Alguns deles carregam no cinto, à direita, uma faca. Consegue ver? — perguntei.

Ele olhou para lá e voltou a tremer com uma careta esverdeada.

— Não olha para eles comendo! Olha os outros. Os homens, ali, olha. — apontei. — Aqueles dois ali têm a arma que eu falei.

— Sim, estou vendo. — a voz saiu tremida e rouca.

— Sempre homens, mas não todos. Nas mulheres não vi nenhuma arma, mas elas usam aqueles colares pontiagudos que provavelmente devem ser feitos de ossos, como o cocar do chefe.

— Precisava mesmo me dar essa informação? — o aprendiz choramingou.

— Preste atenção, Ramon, é importante. Os ossos maiores podem ser usados como facas também. Se estiverem inteiros, podem ser quebrados e as pontas afiadas usadas para cortar nossas redes. Alguém vai ter que nos dar um pouco d'água para beber e nos manter vivos. — evitei falar a palavra comida, porque certamente ele vomitaria. — Entendeu? Eles vão ter que se aproximar da gente alguma hora e é aí que vamos pegar alguma coisa que nos ajude a sair daqui.

Ele olhou para mim. A compreensão de uma fuga e um pouco de esperança iluminando seus olhos. Provavelmente antes disso estaria imaginando a si mesmo boiando dentro daquele caldeirão funesto. O rapaz assentiu com um entusiasmo renovado. Continuei:

— Eu não sei quando isso vai acontecer, nem se será primeiro com você ou comigo. É melhor que eles pensem que ainda estamos amarrados, então, mantenha os tornozelos juntos e jogue as cordas em volta dos seus pulsos quando eles vierem. Isso vai te dar pelo menos alguns segundos de vantagem. O elemento surpresa sempre é bem-vindo quando está do nosso lado.

— Tudo bem. — o jovem falou.

— Se começarem a baixar a corda da sua gaiola ao invés da minha, não entre em pânico. Pegue uma arma, se conseguir a faca, melhor, se não, tente um osso maior ou com alguma ponta. Foco, Ramon. — eu ia acompanhando a linguagem corporal dele para ver se estava realmente escutando o que eu dizia. Era importante que ele memorizasse. Ter um episódio de branco e não saber o que fazer quando estivesse bem lá embaixo poderia ser desastroso.

— Sim senhor.

— Identifique, localize e observe a pessoa que estará mais próxima de você enquanto descem o seu cesto. Saiba de antemão o que irá fazer e assim que tiver a oportunidade, faça. Discrição não é o mais importante. Agilidade é.

— Entendi. — falou. A voz dele não me passou a confiança que eu gostaria de ouvir.

— Ramon. — ele olhou fundo para mim. — Não tenha dó ou medo dessa gente porque eles não vão ter de você.

O garoto engoliu em seco. Aquela situação era real. Quanto antes admitisse para si mesmo, melhor. Eu estava preparando um guerreiro apenas com instruções orais. Isso com certeza não iria prestar. Ponderei se ele teria estômago para ouvir as palavras que eu pretendia jogar em cima dele. Decidi que se não tinha teria que passar a ter. Aquele não era um momento adequado para ter escrúpulos. Apontei um ponto na lateral do meu próprio pescoço.

— A jugular. É o melhor ponto. Especialmente se não tiver uma arma muito longa nas mãos. — ele ficou muito sério e um pouco branco, mas não arreou. — Encontrada dos dois lados da cabeça. Não é uma carícia, é um corte fundo. Exige força. Você me entendeu?

— Sim senhor. — engoliu em seco.

— Que bom. Antes eles que você. Não se esqueça disso. Já viu onde a minha corda está amarrada? — indiquei seguindo a trilha da corda com o dedo. Ele afirmou com um gesto. — Vai cortá-la e me tirar daqui logo em seguida. Eles têm armas e dardos venenosos. Para se proteger, use um corpo como escudo. Eles são pequenos, bem menores e mais leves que você, não terá dificuldades em arrastar um.

— Você fala com frieza.

— Ainda tenho a escuridão dentro de mim.

O garoto suspirou e se preparou para o que estaria por vir. Se queria sair dali com vida... teria que sacrificar algumas.

No meio da tarde, aconteceu exatamente o que eu esperava. Alguns dos pigmeus canibais vieram até à árvore das gaiolas e começaram a descer os cestos para alimentar os prisioneiros. Várias jaulas eram descidas ao mesmo tempo. Vi a de Natan sendo baixada junto com a minha e de mais duas pessoas estranhas. Eu não conseguia contado visual direto com ele. Não sabia se ele sabia que aquela era a minha jaula. Não sabia se os aldeões compreendiam tão pouco a nossa linguagem quanto nós a deles, então achei melhor não expressar minhas ideias evasivas em voz alta. O silêncio dos meus companheiros me dizia que eles compartilhavam o mesmo receio, ou já teriam tentado se comunicar comigo ou com o aprendiz.

Mesmo não podendo nos comunicar, não me surpreenderia nada se Natan e Elisa estivessem com as mesmas ideias que eu na cabeça, afinal, crescemos e treinamos juntos. Seria fácil pensar de forma semelhante.

A minha rede era baixada vagarosamente até o chão. Percebi que Natan alcançaria o solo antes que eu. A minha tatuagem coçou e as minhas asas se acomodaram fechadas atrás de mim. A pessoa que estaria mais próxima a mim seria um dos homens com a adaga pendurada na cintura. Que azar o dele! A rede do meu amigo ainda não havia acabado de descer completamente e eu vi dois pulsos amarrados voando para fora da rede. O metal brilhou e o carmim escorreu.

Hora de sair dali.

Hora de sair dali

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Olá amados!

Vai rolar sangue! E que a luta comece!!!

Se gostou, não esquece da minha estrelinha, bjos!

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora