Chapter 5

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"I felt alive ad I can't complain"

"Eu me senti viva e não posso reclamar"

Aurora – Runway


A única luz iluminando o ambiente é a da fresta da cortina, todo o colorido do meu quarto some a noite e a escuridão penetra de forma sorrateira.

Após o jantar e as belas tortas de limão e laraja, voltamos para casa. Agora o relógio marca 2h e 07min da madrugada, meus olhos vasculham cada canto e o sono não vem. Me viro de novo na espaçosa cama, bato os travesseiros pela decima vez e me cubro.

Cada piscada de olho eu volto ao trágico dia. Me levanto e vou a suíte, corro a mão na parede até achar o interruptor, assim que a luz se acende a imagem refletida no espelho me assusta. As olheiras tomam conta dos olhos e meus cabelos estão desgrenhados, nunca meu rosto me assustou tanto de madrugada.

Desde aquela maldita madrugada que meu próprio eu, me apavora. Triste saber que dentro de cada um, um monstro vive.

Aproximei-me da pia onde liguei a torneira, o barulho de água escorrendo estranhamente começou a me acalma. Prendi o cabelo com um pompom que estava sobre a pia e joguei um pouco de água no rosto. Novamente me olhei e encarei o reflexo no espelho.

- O que eu fiz? – me perguntei, querendo descordar de tudo o que se passava na minha cabeça.

Meu peito se comprime de novo numa dor absurda, meus olhos marejam a beira de explodirem.

- Você matou alguém, Elba Jossen. – falei para mim mesma.

O que vi ali, estampado na minha frente era face de alguém que desejava estar errada. Verdade que a meses, vinha tentando esconder para mim mesma.

Um nojo me percorreu, fazendo eriçar todos os pelos do meu corpo, assustada me afastei da pia, indo em direção a ducha. Arranquei minhas roupas, me desfiz daquela segunda pele e entrei. O jato frio, desceu por meu corpo, lavando toda aquela sujeira. Comecei a me esfregar como naquela noite, a terra descendo pelo ralo, meu corpo suado, as roupas molhadas os respingos de sangue em meu rosto.

- AHHHH... – gritei, assustada.

Assim que meus olhos se abriram tudo estava diferente, não tinha cor escura, nem sangue, nem suor ou terra. Meu banheiro estava limpo e pelo ralo descia água cristalina. Suspirei ofegante, mas parecia que eu havia corrido uma maratona. Meus joelhos bateram com tanta força no chão que rezei para não ter feito barulho. E então, chorei e aos prantos implorei que aquela lembrança se desfizesse de mim, porque eu não poderia viver com aquela imagem me assombrando.

Passado um tempo, tomei forças e levantei, peguei a toalha cor de rosa, pendurada e evolvi meu corpo. Quando sai do boxe, voltei a pia. Meus longos fios ruivos, pregados a meu corpo, me deixavam com uma cara sombria. Eu precisava me desfazer dessa Elba, como me desfiz da Elba que foi molestada e se tornou piada entre os meninos do time de futebol um ano atrás.

A vida é feita de mudanças, seja pra pior ou pra melhor. No entanto eu precisava, não estava mais funcionando essa ideia de fingir que nada aconteceu, que nada existiu no dia 27 de agosto.

Abri a gaveta do móvel da pia e de lá puxei uma tesoura. Eu mais que ninguém precisava disso, não queria voltar a ser o lixo de pessoa que era, mas precisava me livrar da imagem repugnante que tinha me tornado.

Peguei uma mecha do meu cabelo com a mão esquerda e com a direita a tesoura e sem nenhum tipo de arrependimento ou medo. Cortei.

- Livre-se, Elba! – esbravejei, cortando mais um pedaço.

Aos poucos a pia ia lotando com as mechas caídas, cada pedaço era uma parte da agonia que se ia. E finalmente, pela primeira vez desde o incidente, a dois meses, me senti leve.

No espelho um outro alguém se formava, um novo molde ia se mostrando. A medida que o cabelo, que antes batia um pouco acima do cóccix, ia tomando uma forma e eu sorria.

No primeiro ano, passei o verão na casa de uma tia, que por sinal era cabelereira, lá tanto eu quando Elia aprendemos a cortar cabelo, e agora isso estava me ajudando a não ficar tão feio.

Quando dei o corte definitivo, o pixie boyish ficou pronto. Nunca imaginei como o corte, joãozinho, iria ficar, mas no final casou perfeitamente. Meu pescoço se alongou, as bochechas, um pouco grandes, ficarem em evidencia, mas nada com o que eu me importasse. Meus olhos ressaltaram e uma choque de beleza me tomou. Decido não usar a máquina na parte lateral então termino de bater na nuca e ajeito a franja, volto a cama com um sorriso.

Quando apareço na cozinha, nem um piu é ouvido. Mamãe e papai, me olham como se acabassem de ver um zombie. Elia me encara com uma vontade de soltar um palavrão, mas nenhum som é emitido.

- Tá tão ruim assim? – solto, sentando na cadeira ao lado de minha irmã.

- Mas o que diabos você fez? – berra, minha mãe a frente – Está louca, como pode arrancar seu cabelo e parecer um menino? – levantou-se abismada.

Furiosa.

- Eu queria mudar e além do mais cabelos crescem, mãe. – peguei a garrafa de café, despejando o liquido sobre a mesa.

- Ah, Deus. Você é lésbica? – indagou, chorosa.

A minha vontade foi de rir, sinceramente minha mãe ela não batia muito bem. Na sua cabeça, mulher tinha que mostrar sua feminilidade apenas com os saltos e os cabelos longos, pra ela isso era um defeito, ter cabelos curtos.

- Não, mãe. Eu só quis mudar, ter cabelos que nem o de homem não me faz um, toda mulher tem sua feminilidade. Pare de se exacerbar com algo fútil. Vou sair primeiro. – me levantei, dando um longo gole no café.

Passei por papai, dando um beijo no topo de sua cabeça, até o instante ele não havia falado nada. Me aproximei de mamãe e a encarei, tentei passar toda segurança.

- Você não vem, Elia? – questionei.

- Claro. – pegou sua mochila no canto da cozinha e passou pela porta.

Peguei a minha no degrau da escada e a chave pendurada. Quando passo pela porta ouço.

- Está linda, minha menina. – diz papai.

Fecho a porta atrás de mim e vou para o carro.

Há tempos não me sinto assim. Viva. O dia está lindo, o calor se faz presente.

Os saltos estão confortáveis o vestido preto abraça meu corpo, deixando minhas curvas ressaltadas. O estilo godê da saia vai até um pouco acima do joelho, a parte de cima é apertada, justa, com um pequeno decote em triangulo. Não tem mangas, fazendo assim o vestido ficar com um ar de retro.

Quando entro no carro, minha irmã já anuncia.

- Você está um arraso, puta merda! – praticamente me venera.

Sorrio.

- É por uma boa causa. – respondo, dando a ré.

- Sabe que ela vai querer te internar, não sabe? – pergunta, enquanto põe o cinto.

- Não tem problema, já estive no inferno mesmo. – afirmo.

Dirijo determinada a fazer muitas coisas hoje.

ELBAWhere stories live. Discover now