X

8 0 0
                                    

A noite era fria e obscura, neve caia sobre as salgadas aguas congeladas dos rios nortenhos. Naquele ponto o gelo era tão espesso que era possível caminhar sobre ele, e foi o que fizeram. Deixaram o barco no último ponto possível navegável e caminharam a tarde toda sendo atingidos pelo vento frio e cortante e no céu as nuvens tinham um cinza melancólico.

A caminhada era silenciosa, o frio deixa os sentimentos congelados, Morpheu ia na frente utilizando as sombras para se localizar, Alice ia logo atrás, ansiosa por reencontrar os mesmos de sua espécie, em seguida Abel sendo sempre observado de perto por Vitor. Desde o incidente do barco Vitor não se afastara muito do velho conhecido.

- você não confia mesmo em mim, não é? – disse enquanto faziam sua refeição, sopa de aracne.

- por que eu deveria confiar?

Abel não disse mais nada após isso. E continuava calado até aquele ponto.

Em certo ponto, próximo a uma curva, Morpheu parou e foi para a margem, olhava para cima. Em sua frente havia uma densa floresta de pinheiros, altos e imponentes, estavam cobertos com uma grossa camada branca. Seu olho leitoso observava e observava mais, mesmo não enxergando nada.

- acampamos aqui – disse se aproximando de uma arvore – Abel você faz a fogueira, garota e garoto, vocês acham madeira de preferência seca – começou a urinar ali – sei que vai ser difícil com essa neve toda, mas se virem, hoje dormiremos sob as estrelas.

Vitor deu uma última olhada em Abel, mas não disse nada e foi para o lado de Alice. Dentro, a floresta era feita de folhas secas, trevas e silencio. As trevas não eram um problema para Vitor, e muito menos as folhas secas.

- você está bem? – disse o garoto quebrando o silencio – está meio distante desde que ele foi falar com você

Na primeira noite após a tempestade Abel e Alice tiveram uma longa conversa particular, aquilo durou a noite toda. Após isto Alice ficou distante, sem enjoos ou insultar Vitor.

- Acho que sim cara pálida – disse sem olhar para o garoto – talvez amanhã eu já esteja com a minha espécie.

Encontraram galhos logo abaixo de um pinheiro, Salavar pegou uma boa parte e invocou as laminas gêmeas, era bom andar prevenido. Lagrimas brancas caiam naquela noite obscura e o frio começava a penetrar nos ossos de Alice. A garota tremia e batia os dentes.

- venha – disse o garoto – andemos mais próximos, assim você se esquenta.

- v-vai querer que-que eu te abrace também – gaguejou

- vai desmaiar nesse ritmo, olhe para você.

Alice usava a mesma blusa laranja com um centauro estampado e as calças surradas. Vitor sentia que a neve a tinha deixado branca com os lábios azuis. Até seus batimentos estavam desacelerando.

- morrer você não vai, mas vai sofrer até desmaiar

Com certa relutância a garota foi para junto de Vitor, pegou uma parte do sobretudo e se enrolou nele, ele então desejou que o sobretudo ficasse mais grosso e assim foi feito. A caminhada foi complicada, mas ao menos ela não caiu.

Chegando na margem, Morpheu e Abel estavam fumando juntos, sentados em um tronco conversando, como se o frio ali não incomodasse.

- ora, ora, quanta demora.

Uma faca avançou, atravessando o coração de Abel, que não se surpreendeu muito com aquilo. Vitor jogou os galhos na frente do homem e virou-se.

- acenda logo, antes que o frio penetre nos ossos dela, os transformando em vidro.

- seria uma cena divertida, não acha? – disse mostrando os dentes em um sorriso irônico. O furo no peito já havia sumido

Vitor Salavar - Os Quatro ReisWhere stories live. Discover now