Capítulo 7

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A primeira estrela surgia no alaranjado céu trazendo consigo uma arteira brisa. Esta sacudia e assanhava os altos galhos do extenso jardim daquela escola. Uma criança sem limites pintando o próprio paraíso estrelado. Acalmando-se, transpassava a janela de vidro, acariciando ternamente o rosto sonolento do único contemplador.

Despertando surpreso pelo repentino toque lhe assanhando os cabelos enquanto quase cochilava, ajeitou-se na cadeira, buscando a aguardada pessoa dentre as altas prateleiras de exemplares. Ninguém. Aliás, neste horário, não havia mais ninguém, além da senhora robusta atenta a possíveis delituosos que ousassem infligir à eterna paz em seus domínios.

Repousando novamente a cabeça contra a vidraça, os vagos olhos acompanhavam o avançar do marinho sobre o alaranjado entardecer. Pelo menos, ali, existia paz. Pelo menos, ali, não importava casa, amigos, família, existência. Refletindo sobre as incontáveis horas perdidas naquele recinto, sentia-se parte dos livros empoeirados e esquecidos.

O caldeirão borbulhando frente a si, interrompia o devaneio.

Olhando o relógio, anotava o cronometrado tempo nas páginas amareladas do exemplar de bolso. Quebrando outro pedaço do galho escuro, arremessou junto as bolhas que explodiam vagamente, mexendo devagar até a mistura estabilizar.

Novamente, retardava o almejado efeito aguardando por aquela pessoa. "Talvez, eu seja uma história que jamais devesse ter sido retirada da prateleira, ou melhor, nem mesmo escrita.". Rabiscou quase na margem. "Só que...". Pensamentos camuflados pela negra tinta. Maleando a cabeça em negativo, certamente, ela já não viria.

- Que engraçado! – Caçoou James. Pressionando as mãos sobre a superfície de escura madeira, projetava o corpo sobre o desatento rival. - Parece até que aguarda alguém, Ranhoso.

Uma única batida cardíaca em espanto quase lhe usurpou o fôlego. O cenho franzido junto ao longo suspiro evidenciava o dissimulado desprazer.

"O que aquele maldito fazia ali?" Analisando o líquido assumir um intenso anil sobre o fervoroso tom abóbora, talvez, ignorá-lo resultasse no seu desaparecimento. Deste modo, voltou a escrever casualmente abaixo a linha impressa na metade do livro.

Decepcionado, não tolerava aquele comportamento tão audaz. Dando a volta, James sentou na beirada da mesa, apoiando os pés rudemente no banco onde alguns livros reservavam para mais alguém, provavelmente Lily. Puxando o livreto rudemente, uma linha negra se formou em rasura.

- Ei!

- O que temos aqui? – Conferindo a capa "Estudos Avançados no Preparo de Poções", revirou os olhos entediado. – Estudarei com você. – Caçoou, embora buscasse compreender sobre aquela peculiar criatura.

Folheando a primeira página "Este livro pertence ao príncipe mestiço". A indelicada gargalhada em deboche.

- Devolva-me, Potter! – Levantando-se enfurecido, avançou sobre o grifinório, o qual empunhou a varinha numa ameaça, obrigando-o a retornar ao lugar.

- É assim que trata as pessoas quando elas têm algo que você deseja? – Diante o silêncio, pressionou a ponta da varinha contra o queixo do rapaz, trazendo os estimados olhos raivosos para si. – Responda-me, príncipe.

- Não vejo "pessoas" agora, Potter. – Não falou, praticamente cuspiu as palavras numa irreverente ironia. Embora pudesse esquivar, não queria. O ódio induzia o sangue a pulsar mais forte pelas correntes sanguíneas. As mãos suavam e o coração...

- Ora, ora... Poucos são os que sentem algo por ti, Severus. – Instigou, trazendo aquele rosto para mais perto. – Quando sim, é raiva ou desprezo. - Era possível sentir o vento daquelas palavras malditas. - Como se sente estando sozinho neste reinado de solidão?

- Apenas sinto pena de ti... – Quase não completava. Aqueles olhos... Aqueles lábios sedutores tão próximos... A respiração quase unificada...

- Senhor Potter, sente-se corretamente. – Reclamou a robusta bibliotecária, induzindo o afastamento inconsciente. Percebendo o desconcerto entre os dois ao espionar de esguelha, enquanto recolocava nas prateleiras os livros abandonados pelas mesas, pediu. – Snape, poderia me ajudar com os livros de história da magia?

Acelerada pulsação cardíaca. E se... O medo pairava no ar igual um antigo amigo, abraçando-os saudosamente. O incômodo silêncio. Os olhares apreensivos temiam colidir. Os livros entre James e o assento não o incomodava, este se dedicava a ocultar o rosto nos "Estudos Avançados no Preparo de Poções", imerso naquela incrível leitura não compreendida.

O ruído provocado pelo empurrar do carrinho ecoava além das prateleiras, indicando o aproximar da senhora de fortes olheiras deprimidas. Repetindo a pergunta, comentou acerca da dor nas costas infindáveis, aguardando ajuda.

Os óculos redondos espreitavam sobre as amarelas folhas, notando inaudíveis palavras do Sonserino ao levantar, quase como uma maldição. Sim. Uma maldição... Certamente, havia sido amaldiçoado por aquele sinistro ser de ações furtivas e...

A capa sobrevoava numa inexistente brisa conforme o inimigo ganhava distância. A manga esquerda meneava solta por cima do ombro, ocultando algo. Observando utilizar apenas o braço direito para retirar os livros do carrinho e recolocá-los na prateleira, o grifinório levantou.

- Desculpa a demora. – Sorria a ruiva menina, coçando a nuca um pouco sem jeito.

Terminando de devolver outro livro a estante, a calma delineava a cabisbaixa feição numa confortável alegria. Por ela. Para ela. Somente ela: "Lily Evans". Sentando-se novamente, o mimado garoto tentava ler os lábios alheios, ansiando descobrir acerca da felicidade compartilhada por aqueles dois.

Articulando a mão direita ao ar num visível "não se preocupe", mantinha a outra ocultada em repouso numa improvisada tipoia. Erguendo a sobrancelha em visível interesse: "Como Snape havia se machucado e porque não usava magia para curar?" O vitorioso sorriso. Tanto assunto aos olhos do discreto espião que folheava o livro quase compulsivamente.

- James... – Estranhou Lily retornando a mesa onde o caldeirão recomeçava a borbulhar. O inegável olhar de desprezo. Engolindo em seco, questionou desapontada. – Achei que fosse tentar melhorar...

- Desculpa, Lily. – Não... - Não estou me sentindo muito bem... – Fechou o livro com tamanha força que o choque entre as duas partes produziu um alto som. Torcendo a boca em expressiva insatisfação, o que deveria dizer? - Acho que vou à enfermaria.

- Mas...

Ignorando-a, seguiu apressado em passos pesados para fora dali. Chocando-se propositalmente com o machucado, estava enojado. Enfurecido... Enciumado? Não! Não? Não mesmo.

Recostando-se contra a parede de pedra do corredor, ria do próprio infortúnio. "Como poderia?".

Jamais...

Apertando os olhos diante a dor de cabeça derivada dos confusos pensamentos. "O que estava acontecendo, afinal?".

Solitária realeza. Travessuras marotasOnde histórias criam vida. Descubra agora