Capítulo 22

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Pedro

Depois que o horário de visitas acabou e eu me encontrei sozinho no quarto, resolvi me levantar e ir até o banheiro, tomar um belo banho, já que não tinha idéia de quando havia sido o último. Entretanto, fora uma péssima idéia, já que ao me colocar de pé, todo meu corpo doeu e rapidamente me segurei na poltrona ao lado de minha cama, antes que meu rosto, que já estava bem machucado, tive um desastroso encontro com o piso do quarto.
- Droga! - Resmunguei, respirando fundo e olhando o botão ao lado da cama que chamaria a enfermeira. Prontamente afastei esse pensamento, afinal não queria que ela me visse nu, se é que já não havia visto, porém não vinha ao caso me questionar sobre isso agora, então com muito cuidado, me endireitei e só dei o primeiro passo quando senti firmeza em minhas pernas.
Após 10 longos minutos, cheguei ao banheiro e precisei me apoiar na pia e recuperar o fôlego. Nunca imaginei que algo tão simples poderia me deixar tão cansado.
Mais algum tempo e logo pude sentir o toque relaxante da água escorrer pelo meu corpo e como aquilo me fez bem, parecia não só lavar a sujeira de fora, mais levar embora pelo ralo a podridão interior, que nesse caso, havia muito. Enquanto me ensaboava, minha mente repassava toda a minha vida, num flashback doloroso. Confesso, mais doloroso a quem fiz mal, do que a mim mesmo, já que aquela época... Aquela época! Quem vê, pensa que foi a anos atrás e não a algumas semanas, enfim... Tudo que fiz, eu não me importava em quem sairia ferido, seja física ou psicologicamente. Somente me importava ter o que eu queria.
Hoje sofro em meu inferno interior e particular, com o peso de minha ações. Mas, a vida parece ter me dado uma nova chance e eu farei o possível para concertar as coisas com todos, pois não foi nada fácil encarar a morte assim tão de perto e descobrir que tem o meu rosto.
Estremeci debaixo do chuveiro, com tais pensamentos e decidi que eu já estava limpo o bastante. Desliguei a água, e envolvi a toalha em minha cintura, caminhei de volta ao quarto.
Ao lado da cama, minha mãe, havia me trazido algumas peças de roupa, quando havia vindo mais ver, hoje mais cedo. Escolhi uma calça de moletom e uma camiseta velha e depois de vestido, me deitei sob a cama, com os olhos pesados de sono. Não demorou muito, para que eu adormecesse.

Sonho de Pedro
"Era uma tarde quente de verão, e aqui estava eu sentado na areia da praia com a minha mais fiel companheira, a prancha. Observava o mar, a espera de que tivessem as ondas perfeitas,  mais tão preguiçoso quanto o sol que já começava a se por, estava o mar, que hoje mais se comparava a um grande lago. Nem mesmo se podia sentir a brisa do mar, aquele vento salgado que soprava em meu rosto, hoje estava ausente.
A praia agora estava quase deserta, as famílias iam indo embora, os demais surfistas já haviam partido a tempos e eu permanecia aqui, observando o sol lá no horizonte, tocar o mar calmamente, como num beijo apaixonado entre dois amantes improváveis.
Me pus de pé e com a prancha debaixo do braço, caminhei até algumas pedras e me sentei ali. Pela primeira vez em muito tempo, eu estava em paz. Não haviam pensamentos me rondando a mente, preocupações apertando o coração e nem tinha acontecido qualquer coisa que estragasse este momento. Bom, ao menos até agora.
Cogitei a idéia de ir embora também, mas sei que meu corpo ansiava loucamente por uma renovação, que somente a água do mar me traria, então, mesmo sem nenhuma onda, peguei minha prancha e adentrei o mesmo, dando braçadas e indo cada vez mais fundo.
Quando já muito longe da areia, eu me encontrava, me coloquei deitado sob a prancha e fiquei admirando o céu, com as mãos detrás da minha cabeça. E deixei me levar pelo balanço tranquilo do mar.
Não sei se havia pegado no sono, ou me distraído demais, só vi o momento em que uma onda se formou e eu caí da prancha. Assustado, voltei a superfície e notei o quanto ele estava agitado agora, talvez até demais. Portanto, voltei a areia e finquei a prancha na mesma, podendo então passar a mão em meus cabelos e tirar o excesso de água. Foi então que ouvi, uma doce voz cantar, e era a voz mais bonita que eu já tinha ouvido.
Deixei a prancha ali mesmo e segui o belo som, que parecia estar me chamando.
Quando fui me aproximando vi que vinha de dentro de uma caverna, logo abaixo das pedras onde eu estava sentado, poucos minutos antes. A voz ia diminuindo, ou seja, estava se afastando, e a minha curiosidade não deixaria lá escapar, sem que eu visse o rosto da dona daquela voz, então adentrei a caverna e era como o breu, não conseguia ver nada. Cada passo adiante, mais escuro e frio ficava, até que tropecei em algo e quando me coloquei de pé, eu estava naquela floresta dos meus pesadelos. Olhei angustiado ao meu redor, buscando uma forma de encontrar uma saída e eu nada conseguia ver, até que aquela voz começou a se aproximar de mim, e quando fixei os olhos, lá estava uma figura encapuzada, que quando me olhou nos olhos e sorriu, pude ver que se tratava do meu outro eu.
- Sabia que foi muito fácil atrair você de volta? - Ele escondia uma das mãos atrás de si - Só que agora não o deixarei partir novamente! - E então me revelou o que escondia. Ele segurava firme uma faca e antes que ele me golpeasse, eu fugi.
Meu coração martelava acelerado, e lágrimas ardiam em meus olhos, eu precisava encontrar uma forma de sair daqui.
Até que novamente, ouvi uma voz e mesmo assim não deixei de correr, agora que sei os truques que meu outro eu podia fazer. Porém consegui notar que essa voz, estava em minha mente e não se parecia nem um pouco com a outra que me trouxe até aqui, essa voz era melodiosa e tinha um tom de preocupação. Me escondi atrás de uma árvore e me concentrei naquela voz, parecia uma oração. Sim, era uma oração, por mim!
Bem, na minha frente, uma luz forte brilhou e um tipo de portal se abriu e sem pensar duas vezes, me joguei para dentro dele, fugindo daquele pesadelo e sendo jogado de volta as areias da praia, bem ao lado da minha prancha.
Eu estava assustado e rapidamente me coloquei de pé, olhando ao meu redor a procura do mal que vinha me perseguindo.
- Ele não está aqui! - Parada um pouco mais a frente e de costas para mim, estava uma mulher que observava o mar, que voltou a ficar calmo e tranquilo. Eu não podia ver seu rosto, mais sabia que era ela. A mulher dos meus sonhos.
Minha respiração foi normalizando e passo a passo, fui me aproximando dela, até estar ao seu lado e fiquei admirando o mar junto a ela, que delicadamente entrelaçou seus dedos aos meus e seu toque me causou arrepios. Era quente e amável!"

Lentamente abri os olhos, piscando algumas vezes. Pelo jeito ainda era madrugada, e lá fora uma chuva caía com toda força e violência.
Então senti o toque quente envolvido em minha mão, e ao descer o olhar, notei que havia uma mulher sentada na poltrona ao lado de minha cama, ela estava com a cabeça encostada em meu braço, com o cabelo cobrindo seu rosto, e nossas mãos entrelaçadas, assim como em meu sonho.
Não precisei de mais nada, naquele momento soube que era ela. Felizmente ela existe, não só em meus sonhos e agora estava aqui ao meu lado, dormindo toda torta.
Com o coração acelerado, soltei de sua mão calmamente e desci da cama, me aproximei dela e notei seu cheiro de canela, e esse perfume me deixou inebriado. Com muito cuidado para não acordá-la e para não derrubá-la, já que não tinha toda minha força recuperada, a peguei no colo e a deitei sob a cama, onde poderia dormir mais tranquila. Depois de cobrí-la, minha mão foi de encontro ao seu rosto, escondido por seu cabelo, porém antes de tocar nela, exitei por breves segundos e respirei fundo, meu coração parecia querer sair pela boca, afinal eu enfim veria o rosto da mulher que todo esse tempo me ajudou a escapar da escuridão que fiquei preso.
Novamente estiquei a mão e tirei o cabelo de seu rosto, revelando uma mulher jovem e muito bonita, ela tinha traços familiares, mas eu não era capaz de me recordar de onde eu me lembrava. Fiquei a admirando por longos minutos, até que minhas pernas tremeram e pediram descanso.
Acariciei o rosto dela e quando tentei me afastar para me deitar no pequeno sofá, ela se mexeu sem despertar e segurou minha mão.
- Pedro.... - Ela sussurrou bem baixinho, mas num tom claro o bastante para eu entender que ela acabara de falar meu nome.
E ouvindo mesmo que brevemente sua voz, vi que era a mesma que me guiava nos sonhos e a mesma que orou por mim. Essa foi a minha certeza de que essa mulher era a mulher dos meus sonhos.
E então notei uma pequena cicatriz em seu braço e no mesmo instante descobri, de onde eu a conhecia e como podia ela me conhecer.
- Não acredito! - Falei comigo mesmo, espantado - Joana!
E mesmo adormecida, ela sorriu para mim.

Um Anoitecer (Livro lll - TRILOGIA FASES DO DIA)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora