stages of loss

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Março de 2075 estava começando e Yoo Kihyun ainda não havia abandonado as pistas de corrida que estava frequentando, mesmo que Jooheon estivesse certeiro de que aquilo era só uma das fases da perda. 

O som fraco dos motores elétricos acelerando, o barulho da torcida insana aos gritos balançando bandeiras, a velocidade extremamente alta e a adrenalina em saber que se poderia morrer ali a qualquer momento. Esses fatores eram o que tanto interessava Yoo Kihyun, que precisava tentar se sentir vivo novamente — o amor não havia durado o suficiente para ajudar, o risco de morte parecia o mais viável no momento para aquele coração desesperado. Era mais como um hobie que possuía, quando pegava folgas na Offworld. Mesmo que seu pessoal estivesse completamente bagunçado, Yoo era capaz de sempre manter seu serviço na mesma boa qualidade já oferecida anteriormente.

Com um suave empurrão a porta do carro modificado se abriu, para cima. Kihyun desceu e esticou seus braços, tirou seu capacete e tentou habituar-se novamente ao espaço amplo e não compacto ao qual havia passado horas dentro. Recebeu uma garrafa de água de um dos estagiários da pista e tomou um gole, refrescando-se. Seus olhos estavam pesados como o de costume, ultimamente estava sentindo muito sono e alguns lapsos de memória. Jooheon estava percebendo a desordem que o colega ficou de uns tempos para cá, percebia o quão abatido ele estava mas sempre tentava disfarçar para os outros. Yoo Kihyun não conseguia falar sobre a morte repentina de Im Changkyun, que era seu companheiro não-bem-assumido.

Por outro lado, Yoo Kihyun era ótimo em guardar segredos. E um desses segredos era um projeto que estava dando continuidade depois do conturbado dia 3 de janeiro do mesmo ano, a qual era a razão do seu constante cansaço e morbidez que emanava pelas manhãs ao ir trabalhar. Ele virava noites com esse tal projeto secreto e dava tudo de si para que continuasse em segredo, como se a sua vida dependesse daquilo. Vida a qual ele sentia estar nas últimas gotas, parecendo ser destinado a morrer jovem e sozinho como sempre temeu.

Já eram algumas horas da madrugada quando Kihyun abriu aquelas cortinas de plástico familiares. Agora conhecia aquela oficina de ponta a ponta, tendo as lembranças na sua mente do dia em que ele e Changkyun resolveram fazer uma faxina no local, e foi um fiasco completo. O lugar nesse momento já não tinha mais as luzes neon rosa como iluminação, e sim lâmpadas brancas de led que deixavam o ambiente frio e morto — exatamente como ambos estavam, um no sentido literal e o outro no psicológico.

Kihyun caminhou deixando seus pertences sobre o balcão da parede, onde parou em frente e observou a foto que ali estava. Era ele e Changkyun, sorridentes num abraço que certo dia já pareceu certamente eterno, aconchegante e único. Yoo suspirou antes de acertar a foto com o punho direito com força total, chegando até a parede. Queria poder ter escutado o som dos estilhaços de vidro pelo chão antes de abrir os olhos, mas não ouviu pois ao ver que era só um holograma como todas as fotos eram agora. Se sentia frustrado no meio daquela praticidade digital que o privava de um simples mas necessário desabafo do corpo.

Seu trabalho estava apenas começando, o projeto se encontrava em cerca de 47% de conclusão. Muitos ajustes precisavam ser feitos, compras de peças, contatos com fornecedores irritantes, atuação para que Jooheon não descobrisse nada, crises de choro e muitas engrenagens. Engrenagens a qual estavam moldando um substituto da fonte de vida de Yoo Kihyun, que infelizmente se foi havia alguns meses. Yoo estava esperançoso pois acreditava que pelo menos parte de Im Changkyun, seu querido amor, seria capaz de voltar no momento que concluísse aquele Androide idêntico ao falecido namorado.

Sabia que se as pessoas soubessem do seu plano iriam jugá-lo, e tentar impedi-lo. Mas a ideia de poder ver o sorriso encantador do Im pessoalmente mais uma vez parecia tão arrebatadora. Ou ouvir a sua voz meio rouca, a risada e os sons engraçados que fazia quando estava impressionado com alguma coisa. Seu toque poderia não ser perfeito, porém a ilusão de tê-lo de volta fazia Yoo Kihyun querer chorar de felicidade. Iria terminar aquele androide a todo custo, mesmo que perdesse amigos, emprego e resto da vida que possuía.

Yoo já nem mesmo frequentava mais os lugares fora a oficina, o trabalho e o autódromo. Vivia em uma redoma e frequentemente precisava esquivar-se de Jooheon pelas ruas, fingindo que não tinha o visto para não precisar conversar. Estava ficando doente constantemente, mas nem as tosses e o nariz escorrendo o impediam de apertar parafusos e programar softwares do seu namorado. Nem mesmo se referia a Changkyun como falecido, achava aquilo mórbido e se recusava a acreditar que sua ida era real.

Quando finalmente decidia descansar, se jogava no sofá onde eles haviam se beijado pela primeira vez e dormia — as vezes com um pouco de custo, injetando soníferos para relaxar. Nem assim se sentia leve, vivia tendo pesadelos subjetivos e acordava com os batimentos acelerados e o dispositivo de saúde implantado em seu pulso apitando. Ao fechar os olhos seu mundo era escuro, e ao abri-los ele era vazio.

Algumas vezes por semana tinha certas crises e chorava desesperado, como fazia quando criança. Abraçava seus joelhos e escondia o rosto, as lágrimas escorriam por todo o seu rosto e ficava sem ar pois nem respirava de tão desesperado. Tinha medo de estar começando a ficar insano, por mais humana que a loucura fosse ela não seria capaz de trazes os mortos de volta como tanto desejava. Kihyun poucas vezes voltava a seu apartamento, a sua cama desarrumada vazia e ao silêncio que os cômodos faziam. A oficina parecia ainda ter o cheiro dele, impregnado no sofá ou nas mesas digitais. Só assim sentia que ele estava observando-o de longe.

Foram muitos mais meses assim, vivendo nesse ciclo doloroso e escondendo seu problema dos outros. Quando no início de novembro seu projeto finalmente estava pronto, havia dado tanto trabalho mas todos os esforços foram recompensados quando Yoo Kihyun tirou o pano que cobria aquele Androide, o revelando com a face idêntica de Im Changkyun. Das cicatrizes até as pintas, tudo parecia perfeito e criado pela própria natureza. Só parecia.

Kihyun relutante apertou o botão pequeno atrás da orelha, iniciando o Androide. Então os olhos castanhos se abriram, olharam para os lados tentando identificar o local até pousarem nos de Yoo — que sentiu todo o comprimento da sua pele se arrepiar, seu coração desparar e aquele velha sensação de lucidez tomá-lo de volta aos braços. Era como se ele estivesse vivo de novo, Kihyun mal conseguia engolir a própria saliva muito menos balbuciar de tão chocado que estava com a própria criação.

— O que você fez com a minha oficina, Kihyun?

Era Im Changkyun, com aquele sorriso nos lábios e com a mesma voz de sempre, os olhos profundos onde dava para se afogar na escuridão, tão apaixonantes quanto da primeira vez. Só que não era ele mesmo, era apenas um androide. 

CYBERPUNK | changkiWhere stories live. Discover now