13. Memórias de Um Anjo Imperfeito

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O luto sempre foi algo que Alice nunca compreendeu totalmente. Talvez por não ter presenciado tantas mortes ao longo de seus dezessete anos ou por simplesmente saber que morrer é algo inevitável, e que hora ou outra todos iremos partir. Entretanto, naquele momento, a adolescente encontrava-se incapaz de adentrar na sala do velório. Observava pelo vão da porta, desviando o olhar do caixão.

Nos bancos almofadados da sala, notou a presença de diversas pessoas, trajando roupas comuns. Alice nunca ligou para isso de usar preto em enterros, pois para ela a roupa não iria dizer o quanto a pessoa era próxima do falecido, ou como se aquilo fosse realmente um sinal de respeito.

Todos conversavam calorosamente, e isso irritou profundamente Alice. Meghan havia sido assassinada da pior maneira possível, e toda aquela gente estava aproveitando o fato para pôr a fofoca em dia, aproveitando a ocasião.

Entretanto ali, no meio daquela muvuca, duas pessoas próximas ao caixão seriam as últimas a querer papear despretensiosamente.

Fábio Duarte, ainda vestindo sua roupa de trabalho, encarava o interior do caixão, dando soluços contidos. Sua curvatura indicava o cansaço proveniente de uma noite inteira de choro. Ao seu lado, Laura mantinha-se séria, com os braços cruzados. O Ray Ban disfarçava o possível estado em que se encontrava. Alice vendo a cena, não conseguia imaginar a dor de ambos, e a culpa, pois se eles não tivessem em crise e consequentemente, distantes, Meghan poderia estar viva. Claro que ninguém poderia imaginar, e não cabia a nenhuma pessoa o julgamento, de qualquer maneira.

Engolindo o choro que queria sair, Alice entrou na sala, atraindo diversos olhares. O silêncio que se veio deixou-a extremamente constrangida. Sabia que não estava em seu melhor estado. Havia um roxo em seu queixo e uma atadura em sua testa, mas foi ao olhar o reflexo em seu celular que Alice se chocou, ao ver duas profundas olheiras em seus olhos, que se encontravam vermelhos e inchados.

Decidiu se aproximar do casal.

— Oi — disse, de maneira tímida. Não conseguiu olhar o interior do caixão, desviando o olhar para Fábio e Laura.

— Oi, Alice... — cumprimentou o homem.

Laura, bufando, deu meia volta, deixando a adolescente no vácuo. Fábio, constrangido, não soube o que dizer em seguida, sendo acalmado por Alice, que apenas com um gesto de cabeça expressou estar tudo bem.

— Foi aquele desgraçado, né?

— Foi... Que Deus tenha misericórdia de quem usa aquela máscara... Porque quando eu ver esse filho da puta de novo... Garanto que ele não sairá vivo.

Fábio expressou surpresa, mas concordou, como se também clamasse por vingança.

— Se importa de ficar aqui um pouco? Vou atrás da Laura, e aquela garota que nem convidada foi tá tentando tirar foto da... — Conteve um soluço ao se referir a sua filha falecida. — Da Margharet.

Virando na direção que Fábio mostrou, viu uma garota negra sentada no canto sozinha. Os dreads estavam presos em um rabo de cavalo e ela parecia estar ansiosa e impaciente.

— Ficarei de olho.

— Obrigado — disse se afastando.

Permaneceu olhando a jovem, até o momento em que precisou fazer aquilo. Virando lentamente o rosto, finalmente conseguiu encarar Meghan. Um pano rendado cobria o caixão. Suas mãos e suas unhas que Alice sempre invejou secretamente estavam com uma cor nude, os cabelos jogados sobre o estofado do caixão. Foi estranho ver a amiga sem nenhum tipo de maquiagem pesada. Seu característico batom purpura e as sombras azuladas faziam tanto parte da garota que Alice achou um crime não terem mantido isso. Claramente não conheciam Meghan.

DOCE OBSESSÃO - VOLUME I [CONCLUÍDA]Donde viven las historias. Descúbrelo ahora