Capítulo 4

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Fui conduzida até um canto daquela espaçosa sala que eu ainda não havia reparado — o que era estranho, já que desde o pouso do avião não cessava de olhar cada centímetro por onde passava.

— Meninos, essa é Amtullah, a garota do intercâmbio de quem falei — ela disse, apontando para mim — Esses são Michelangelo e Bruno, meus melhores amigos e futuramente os seus.

— É um prazer finalmente conhecer a tal garota do intercâmbio — falou Michelangelo, antes de me abraçar gentilmente. A essa altura, já havia notado que enquanto houvesse novas pessoas para conhecer também haveria abraços para receber. Apesar de, durante meus estudos a respeito da cultura brasileira, ter lido sobre o quanto são calorosos, eu precisaria de um tempo para me adaptar.

— O... o prazer é to-do meu... — aquele seria o momento perfeito para ter o poder de estalar os dedos e desaparecer num passe de mágica. Não estaria sendo eu mesma se conseguisse não passar vergonha naquela situação. Eu estava de frente com o garoto mais lindo que já havia visto — se isso fosse uma característica natural dos brasileiros, eu certamente estaria no Paraíso, pensei. — Michelangelo tinha a pele branca, tão ou mais que a minha, o que fazia um completo contraste com seus olhos e cabelos lisos ondulados, que eram completamente negros. Eu esperava que minha expressão facial não revelasse meus pensamentos — embora minhas falhas palavras já houvessem feito esse serviço.

— Sei que você já deve ter ouvido isso várias vezes, mas mesmo assim... Seja bem-vinda, espero que se sinta bem em nosso meio — diferente dos demais, Bruno apenas estendeu a mão para me cumprimentar.

Ele era alguns centímetros mais alto que seu amigo e tinha a pele um pouco mais escura como a de Lindsay. Apesar de não conhecê-lo, notei que Bruno carregava consigo um carisma que o tornava mais belo. É bem verdade que a aparência interior ressalta a exterior.

— Muito obrigada — disse, exibindo meu sorriso mais simpático.

A festa não foi algo prolongado, e parte de mim agradeceu por isso. Meu corpo exigia longas horas de sono em uma cama confortável.

— Amtullah? Posso entrar?

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— Amtullah? Posso entrar?

Levei alguns segundos para voltar à realidade e me dar conta de que alguém estava do outro lado da porta me chamando.

— Sim... Pode entrar — respondi, com a voz um pouco sonolenta.

— Eu acordei você? Me desculpe. Eu costumo começar o dia cedo.

— Não tem problema, eu já ia levantar mesmo. Por acaso... Que horas são?

— 9:30h.

— Sério? — fiquei surpresa. Acordar a essa hora pode ser normal para algumas pessoas, mas não para mim. Não era essa a primeira impressão que eu queria deixar. Meu objetivo era estar de pé às 8:00h — Eu também tenho o hábito de acordar cedo. Não sei o que aconteceu. Deve ser o cansaço da viagem.

— Não se preocupe. Sabemos que você estava cansada — Lindsay se dirigiu à porta antes de continuar — Estaremos esperando-a para o café.

— Okay.

Ouvir isso me fez lembrar minha família. Aos sábados, era uma regra nos reunirmos à mesa para o café da manhã. Era uma forma que meu pai havia encontrado de nos dedicar um pouco de seu tempo.
Tomei o banho mais rápido da minha vida, não queria deixá-los esperando mais tempo.

Me perguntei se deveria usar o hijab, isso não era necessário em minha moradia no Iraque; e se eu estava em minha nova casa
— mesmo que temporariamente, não fazia sentido usá-lo.

Quando cheguei à cozinha, Susana, Lindsay e Lorenzo estavam reunidos à mesa

— Bom dia — pronunciei, um pouco timidamente.

— Bom dia. Você pode se sentar aí — Susana apontou para uma cadeira vazia.

— Dormiu bem? — Perguntou Lorenzo.

— Maravilhosamente — disse em tom de brincadeira, na tentativa de facilitar aquela conversa. Um diálogo alegre é de extrema importância para se começar um dia.

— Amtullah, estávamos pensando em levá-la ao shopping hoje, o que você acha? — Questionou Susana.

— Eu adoraria — falei entusiasmadamente.

— Que bom, temos que aproveitar ao máximo esse mês de férias. Começando hoje mesmo.

Às cinco da tarde iniciamos a sessão embelezamento, assim denominada pela Lindsay. Ela falou sobre como meu cabelo era perfeito naturalmente, enquanto investia quase 15 minutos tentando dar o volume desejado a seus cachos, tempo que usei para escolher algo para vestir. Optei por algo não tão simples nem exagerado. Um meio termo. Chamar atenção demasiadamente não estava em meus planos — ser a única a usar um hijab em certos lugares já era suficiente — então usei as roupas que, pelo que sei, são comuns aos brasileiros: uma calça jeans preta com uma blusa bege de mangas compridas e um tênis também preto, deixando à mostra apenas meu rosto e minhas mãos como de costume. Lindsay escolheu um vestido vermelho estampado que era justo até a cintura e um pouco mais solto em baixo.

— Você está incrível. Esse vestido lhe caiu muito bem. Eu devia ter escolhido algo mais elaborado.

— Não pense desse modo. Você também está incrível. Sabe, Amtullah... Você tem uma beleza natural, não precisa de muito. Mesmo as coisas mais simples lhe caem muito bem. Você está ótima.

Eu não sou alguém vaidosa, mas há momentos em que uma garota precisa de certas palavras para se sentir bem consigo mesma.

Não demoramos a sair de casa. Suzana disse que, em breve, me levaria a outros lugares bem legais da cidade mais visitada do País. Ao longo do percurso, as duas apontavam alguns prédios e pontos comerciais, ao passo que eu olhava cada um deles atentamente como uma criança encantada com algo novo. Aquele momento foi como a noite das garotas. Andamos pelo shopping inteiro, paramos para tomar um milkshake e a mãe da Lindsay insistiu em comprar uma bota de cano baixo pra mim — a bota era incrível, me apaixonei na hora, e ela deve ter notado isso — eu disse que não era necessário, mas minha nova mãe insistiu até me convencer. Disse que era um presente.

Aquela foi uma noite divertida.


Laços Divergentes (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now