Capítulo 26

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era início da noite quando acordei. Carl estava dormindo pesadamente ao meu lado na . Olhar para ele era como olhar para um mar de mistérios, possibilidades e possíveis problemas. Nosso encontro de hoje havia sido um divisor de águas. Mas, a modelo da passagem bíblica, eu ainda tinha um deserto para atravessar.

Permaneci por um tempo o olhando-o e tentando imaginar se estávamos realmente na mesma página. Talvez ele ache que tudo foi um erro, um risco. Apesar de preferir pensar que eu havia feito amor com meu marido, eu tinha certeza que não era exatamente com meu Carl que eu havia dormido. A intensidade de tudo foi o que mais me deu certeza disso. Além do mais, a frase “quero te conhecer” me fez sentir que era o John que queria estreitar relacionamento comigo e, a forma dele se relacionar era essa.

Eu simplesmente tinha a obrigação de me jogar de cabeça se quisesse realmente ajudar o Carl e ajudá-lo significava também ajudar Lisa, John e o pequeno Lucas. Tentar me colocar no lugar deles e imaginar como seria viver dessa forma é angustiante. Até que me mostrem o contrário, eu via quatro pessoas dividindo o mesmo corpo.

Meus pensamentos foram interrompidos por Carl se ajeitando na cama. Nisso, aproveitei para me levantar e tomar um banho. Quando estava me enrolando na toalha para sair do box, um afobado e nu Carl invade o banheiro, relaxando imediatamente ao me ver.

— Você não pode ficar nervoso desse jeito sempre que acorda com lapso de memória, amor.

— Desculpe se te assustei. — Ele disse, passando as mãos pelos cabelos desgrenhados.

— Eu confio em vocês e você deveria confiar também. — Eu não acreditava muito no que eu acabara de dizer, mas minha intuição indicava que eu estava no caminho certo.

— Sarah... Eu ainda estou com saudade de você.

Ele se aproximou de mim, retirando minha toalha e a usando para prender meu corpo no dele. O beijei e envolvi seu pescoço com meus braços, aproximando mais ainda meu corpo, entendendo que eu não havia satisfeito meu marido ainda.

Quase uma hora depois, nós dois descíamos juntos para procurar comida na cozinha. Seu rosto ainda estava corado e minhas pernas ainda estavam bambas. Bastava olharmos um para o outro para sorrirmos como dois adolescentes. Eu me sentia a deusa da casa, poderosa, uma fonte de feminilidade.

A visão de Carl sentado à mesa me observando preparar um macarrão instantâneo me fazia sentir em um reality show. Esse pensamento me fez brotar um sorriso desconfortável, pois essa havia sido a forma como Lisa havia explicado como ela observava o que acontecia com Carl. Será que ela estava nos observando agora?

Olhei para o Carl, que parecia distraído em seus pensamentos, olhando para o armário da cozinha.

— Pensando em pedir alguma outra coisa para comermos?

Ele não me respondeu e permaneceu olhando para o nada enquanto eu falava. Meu coração acelerou um pouco no peito.

— Carl? — Insisti, me aproximando e colocando minha mão sobre a sua.

— Não... Adivinha quem é!

Lucas. Aquele olhar não me deixava dúvidas.

— É o Lucas!

— Oi, tia Sarah! — Ele gritou e me abraçou pela cintura. Confesso que a animação e o carinho dele eram contagiantes.

— Oi, Lucas! Tudo bem com você? — O beijei na testa e retribuí seu abraço de forma praticamente involuntária.

— Tia, quero te falar uma coisa, mas você promete que não vai contar pra ninguém? — Seu olhar havia mudado na animação para um de preocupação infantil.

— Claro. Você pode me contar qualquer coisa. — Segurei seu rosto entre minhas mãos e o olhei nos olhos.

— Não deixa o tio John bravo, tá? Quando ele fica bravo, ele faz coisas que machucam as pessoas.

— Como assim, machucam as pessoas? Ele já machucou alguém? — Senti o coração gelar no peito coma confirmação do perigo que John representava.

— Não conta pra ninguém que eu te disse isso, promete?

— Claro que prometo. E obrigada.

Então ele sorriu, me abraçou e ficou imóvel. Eu já começava a entender que quando Carl deixava de mexer poderia significar a transição entre um e outro. Meu coração batia forte no peito em imaginar que poderia ser o John chegando. Eu não me sentia preparada para estar sozinha com ele após o que eu acabara de ouvir.

Então seu rosto se virou para mim novamente. O olhar estava ligeiramente atento. Eu já poderia identificar esse como o olhar de Carl quando despertava confuso em uma situação inesperada.

Para disfarçar, ele me abraçou um pouco mais e então se levantou para me beijar.

— Já tem comida? — Ele disse, tocando meu nariz com o seu.

— Você tá brincando? Estou preparando macarrão instantâneo. — Me afastei dele e peguei as duas cumbucas que estavam sobre a pia, levando-as até a mesa onde comemos em silêncio.

E se da próxima vez quem emergisse fosse um furioso John? Como eu poderia saber como não o deixar nervoso? Eu não tinha dúvidas de que já havia feito muitas coisas que o deixariam nervoso, como chutá-lo no rosto, por exemplo.

Talvez Lisa pudesse me ajudar especificamente nessa situação. Será que ela faria isso por mim? Por nós? Como eu poderia invocar a Lisa para conversarmos? Será que uma coisa dessas é possível?

— Você deixou alguma coisa no lugar onde você passou a noite?

A pergunta de Carl me fez voltar a atenção para ele de forma tão abrupta que o pegou de surpresa.

— Oh, na verdade não. Mas minha bicicleta ficou no mercado.

— Eu busco pra você.

— Não precisa. Você me leva até lá e eu volto pedalando.

— Tem certeza? Eu tenho o suporte de bicicleta no carro, lembra?

— Claro. Tudo bem, então.

— O macheroni di minuto estava uma delícia. — Ele se levantou, esticando o corpo sobre a mesa e me beijando a testa.

— Grazie. — Eu disse sorrindo, com meu péssimo sotaque italiano.

Eu o observei subir as escadas rapidamente, pulando dois degraus por vez. Eu ficava feliz em vê-lo assim, tão diferente de quando o encontrei no Caffé do mercado. Não quero vê-lo daquela forma, tão deprimido, novamente.

Não demorou um par de minutos até que ele descesse com tênis e camiseta sobre a mesma calça de pijama.

— Volto já. — Ele disse, pegando as chaves do carro e saindo pela porta.

— Não demore.

Tudo parecia tão normal que por alguns instantes quase dava para sentir que éramos um casal normal. Antes que eu me levantasse da mesa, a porta abriu abruptamente.

— Seu celular! — Carl voltou e colocou o aparelho na mesinha ao lado da porta e saiu tão rápido quanto entrou.

Não sei como não saí sem roupas de dentro daquele carro. A lembrança da paixão que vivenciamos me fez sorrir novamente. Fui até o aparelho, percebendo que estava descarregado. Peguei o carregador extra que fica na gaveta da mesinha da sala e o pluguei na tomada ali mesmo. Dali fui até a cozinha e a arrumei com calma, usando os panos e enfeites que costumo usar em ocasiões especiais. Eu me sentia estranhamente em uma ocasião especial.

Ao terminar na cozinha, subi para o quarto para me arrumar também. Ajeitei os cabelos em uma trança embutida e vesti uma roupa confortável e simples, mas que me fazia sentir elegante. Me olhei no espelho e gostei do que vi. Assim que terminei, percebi que Carl estava demorando demais para apenas buscar a bicicleta.

Desci as escadas em direção ao meu celular, que já deveria estar carregado, para contatar o Carl e descobrir o que o estava fazendo demorar tanto. Recusei-me a ficar nervosa dessa vez, pois não posso viver com o coração disparando diante de quaisquer pequenos acontecimentos que parecessem fora do normal.

Liguei o aparelho e vi que não havia mensagem alguma do Carl, mas apenas uma mensagem do tio Peter sugerindo um outro almoço na casa dele assim que nossa agenda permitisse. Respondi positivamente, sem, contudo, definir data alguma. Me senti triste por tê-lo envolvido em tantas preocupações.

Disquei para o Carl e ouvi o aparelho tocando em algum lugar dentro de casa. Eu já o estava procurando na sala quando ouvi o som do carro chegando na garagem. Graças a Deus, ele estava de volta.

Abri a porta e o vi abrindo a mala do carro, que estava abarrotada de caixas com compras.

— Que bom te ver, querida! Você poderia me ajudar aqui, por favor? — Ela disse sorrindo, colocando as mãos nos quadris e revirando os olhos, como quem diz “olha só a arte que fiz!”.

Eu tentei ser o mais natural possível, sorrindo de volta e correndo para ajudar com as caixas. De agora em diante eu teria que conviver com todos eles e eu bem que precisava conversar com a Lisa sobre o que o Lucas havia me dito.

===♡ continua ♡===

Meus Múltiplos (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora