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   Como de costume Marius acordara antes de mim. Quando eu acordei senti a respiração quente dela em meu pescoço. Ela ainda dormia. Levantei-me do caixão e fui vestir-me. Ao voltar vi a menina sentada no caixão, ela parecia confusa. Estava mais pálida. Caminhei até ela e perguntei se estava bem, ela disse que precisava se alimentar mas que era só isso. Estranhei isso. Ela não tinha dito que sua natureza "não era assassina?". Ela se levantou e saiu do quarto, abrindo a porta sem toca-la.
    Segui Perséfone até um pasto muito longe da cidade. Ela caminhara até lá em uma velocidade que me era familiar mas que eu não compreendia como ela a havia adquirido. Uma ovelha morta já acumulava alguns vermes caída no pasto. Perséfone abriu o cadáver sem muita dificuldade. Quebrou os ossos e retirou o coração do qual se alimentou. Eu podia vê-la corar quando notou minha presença:
    -Armand... eu... eu não queria que visse isso... eu...- estava envergonhada e eu podia ver isso em seus olhos. Me aproximei em um piscar de olhos. Limpei o sangue de seu rosto com minha mão, lambendo o que ficara em minha pele.
     -Tudo bem.- Caminhamos até um pequeno cemitério. Sentamo-nos lá.
     -Seu Mestre não vai gostar se souber sobre aquela noite... ou sobre ontem...
     - Ele vai entender, sabe que ele também a ama assim como ama a mim e como eu amo você.- ficamos em silêncio por um tempo.
     -Queimaram o Palazzo... O antigo Mestre do concelho de Roma o fez... - ela parecia triste - mas eu o matei e sei que tentarão me matar por isso. Sei que morrerei por isso. Mas eu o matei por Ricardo e por todos os pupilos que queimaram naquelas chamas. E eu imploro a você Amadeo.- ela levantou de onde estava sentada e ajoelhou-se a minha frente.- se eu tiver de morrer, se for melhor que eu morra, eu quero que você me mate.- lágrimas pretas como nanquim escorriam de seus olhos azuis. Eu não poderia matá-la, não seria capaz disso. Levantei-a em meus braços subindo no ar calmo daquela noite. Era véspera de natal. Pousamos ali perto. Seu vestido escarlate subira com o vento mas ela não parecia se incomodar.
      -Não vou... não posso matá-la Perséfone, simplesmente porque não posso perdê-la. Se você se fosse eu sentiria o mesmo vazio que senti ao ser separado de Marius. Não vou deixar que matem você. E não acho que você deva morrer por ter vingado a morte daqueles inocentes, eu teria feito o mesmo.
      Caminhamos como os humanos de volta à casa, eu teria de explicar tudo aquilo a Marius e sabia disso. Lá sentamo-nos na sala. Sibelli tocava como de costume. Benji cuidava de sua rádio. Mas o Mestre não estava. Disseram-me que ele saiu apressado após receber um recado de alguém do conselho. Sabia que Marius também não deixaria que tomassem Perséfone. Sabia que ele também lutaria como lutou pelos meninos naquela noite tantos séculos atrás. Ela também sabia disso. Talvez por isso tenha aceitado o convite de Benji. Ela queria confessar aquilo que pesava em sua consciência. Seu único assassinato.

Perséfone de HadesWhere stories live. Discover now