Onde você está?

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Por ter se mantido na mesma posição durante o resto da noite, seu braço esquerdo começou a adormecer, fazendo-o acordar pelo incômodo. Ainda era possível sentir o cheiro de lavanda na extremidade do travesseiro, confirmando o que apenas imaginou ser um sonho. Kihyun tinha deitado atrás de si, abraçando-o com intuito de acalmá-lo. 

Não desejou pensar muito naquilo, então logo desceu as escadas, indo em direção a cozinha. O cheiro do café não era tão forte como de costume, mas ainda continuava agradável.

Passando pela entrada, logo de início não encontrou Kihyun. Não se preocupou, o rapaz provavelmente teria saído para algum lugar.

A cafeteira tinha seu fio ligado à tomada, mantendo o líquido aquecido desde cedo. Hyunwoo sorriu, já pegando algumas torradas para acompanhar o café.

Olhar pela janela da cozinha o fez refletir o quanto de fato começava a gostar daquele local, por mais que tivesse criticado antes de conhecer. Ele sentia vontade de explorar mais a região, conhecer a história e até as pessoas, mesmo que não consiga lidar tanto com elas. Apesar de todo o medo que preenchia seu peito, ele sentia-se estranhamente em casa.

Quando era adolescente, antes do trauma atrapalhar sua vida, correr pelos lugares à noite era seu passatempo preferido. Por mais que recebesse diversos sermões de sua mãe, nada o impedia de sentir aquela liberdade acompanhada pelo vento que batia em seu rosto. Não era a mesma coisa que andar de bicicleta, carro ou ônibus, era um vento único, onde ele precisava se esforçar para senti-lo, em outras palavras, precisava correr.

Hyunwoo sentia saudades daquilo, de não temer nada e apenas correr atrás do que de fato amava. Atualmente sentia-se como uma vítima de um assalto perdendo o bem mais valioso, e junto a ele, o direito de ser feliz.

Quando terminou de comer se apressou a lavar a louça, uma mania que adquiriu de Kihyun, acumular pratos na pia a fim de lavar mais tarde era um caminho sem volta. Não havia planos para aquele dia, então apenas se aconchegou no sofá da sala e ligou a televisão.

Por não ter nenhum canal assinado, se contentou em procurar um programa aleatório. Já faziam cinco minutos desde que apertava o botão do controle, até um filme infantil chamar sua atenção.

Não era bem um filme, mas o resultado de um projeto teatral que haviam organizado com crianças em um parque. Cada uma representavam as cores do arco-íris, agindo o tempo todo de acordo com o significado da cor delas.

A criança vestida de laranja não parava de falar, alegando que o significado de sua cor era a comunicação; A amarela, sorria o tempo todo, feliz apenas por conviver com os amigos; A verde caminhava de um lado para o outro, confiante e esperançosa; Perto do lago, a azul meditava, calma e de certa forma ignorando tudo em sua volta. Anil, que na visão de Hyunwoo era apenas um azul escuro, observava tudo ao seu redor, respeitando a personalidade de cada um; E por fim, a violeta, que vez ou outra meditava junto a azul.

Foi então que Hyunwoo, mesmo não sabendo muito sobre o arco-íris, sentiu falta de uma cor, a vermelha.

Como se tivessem lido seus pensamentos, uma criança cabisbaixa apareceu entre as árvores. Claramente emburrada, com uma cesta na mão cheia de corações. Ela passava entre as outras crianças, jogando os papéis vermelhos com força em todos os lugares.

— Amor e agressividade. — concluiu por si só, rindo ao comparar aquela cor com Kihyun.

Ao notar o que fazia, apenas decidiu tirar do programa, colocando um filme com outro tema.

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Dois filmes inteiros se passaram antes de chegar o horário do almoço. Kihyun ainda não havia voltado, então decidiu cozinhar algo para comer.

~

Era inacreditável a quantidade de detalhes ocultos naquela casa, onde apenas notou quando o tédio foi seu único acompanhante.

Na sala, por mais que tivesse concluído que tudo se encontrava em perfeito estado, haviam diversas rachaduras; Nos cantos das paredes, manchas azuis, denunciando a cor anterior daquele marrom atual; Ao subir pela escada, Hyunwoo finalmente encontrou o piso solto que havia descoberto um tempo antes, apressando-se a arrumá-lo e por fim, no quarto que ambos dormiam. Onde marcas de durex preenchiam boa parte da parede, alegando que folhas, talvez pôsteres, se acomodaram por um bom tempo ali.

Por mais que sua curiosidade já tivesse gerado problemas, ele não conseguiu evitar de olhar por baixo das camas. Era óbvio que o caderno já não estava mais lá, porém tirar as próprias dúvidas era gratuito.

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Quando a noite se aproximou, Hyunwoo acendeu algumas luzes. Se Kihyun estivesse ali, talvez ele comentaria sobre ter conseguido segurar o impulso de clarear desnecessariamente todos os cômodos.

Não sentiu vontade de jantar, mas cozinhou da mesma forma caso o amigo chegasse com muita fome. Durante o tempo todo imaginou como Kihyun aproveitou o dia.

Talvez, por decisão própria, ele caminhou o dia inteiro, esvaziando a cabeça a cada passo lento, já que o carro permaneceu em frente a casa desde cedo. Ou talvez o tédio atingiu seu peito em cheio, fazendo-o ir até a casa de Jooheon, mas evitou pensar muito naquilo. Independente do que ele decidiu fazer, era direito dele sair e se divertir. Sozinho ou acompanhado.

A comida ficou pronta, demorando mais tempo que o necessário. Hyunwoo paralisava o próprio corpo em meio a cozinha, sem nem ao menos perceber, enquanto seus pensamentos viajavam para longe.

Ao beber café junto a um lanche qualquer, deixou as panelas com comida em cima do balcão e subiu para tirar as impurezas do corpo. A água do chuveiro começou a agradá-lo melhor após notar a paz que descia em meio às gotas, relaxando seu corpo em momentos que apenas desejava pensar.

Felizmente não tinha dificuldade em ficar sozinho, já que nos dias normais de trabalho era o que mais acontecia consigo. Claro que Kihyun o visitava com frequência, mas o rapaz também tinha seus próprios problemas para lidar, além de também sair com outras pessoas.

Quando deitou em sua cama percebeu que o aroma de lavanda demoraria a sair da fronha de seu travesseiro, então permitiu-se apenas inspirar o perfume calmamente. Hyunwoo ficou atento a qualquer barulho que denunciasse a chegada do mais novo, mas aquilo não aconteceu. Mesmo preocupado decidiu dormir, Kihyun era um adulto e sabia se cuidar.

Mesmo sentindo falta da presença do outro, se distraiu bem na maior parte do tempo. 

A noite foi tranquila, apesar de tudo. Sem pesadelos, mas também sem sonhos.

Pequenas coisas (Showki)Where stories live. Discover now