28. Café da manhã conturbado.

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Perder um paciente nunca é fácil, mesmo você tendo o conhecido há meia hora atrás. É uma vida perdida, infelizmente, por qual motivo for. Não foi a primeira vez que aconteceu comigo, mas agora foi diferente. Dra. Florence havia deixado com que eu tomasse conta do paciente inteiramente. Quem receitou suas medicações, exames, checkups, fui eu.

Helena tinha oitenta anos, dois filhos, seis netos e era viúva. No primeiro dia que a conheci até pensei "o que essa senhora está fazendo aqui?" porque ela parecia mais saudável que eu. Mas a doença diagnosticada foi tão agressiva que em duas semanas ela estava em coma induzido. Hoje, depois de pouco mais de um mês internada, ela teve uma parada cardíaca e faleceu.

Foi difícil porque eu sabia toda a história de Helena. Ela me contou sobre tudo, com detalhes que eu preferiria não saber de tão íntimos que eram. Dar a notícia aos filhos quebrou meu coração em mil pedaços.

Não havia respondido as mensagens de ninguém durante a tarde até a noite, mas sabia que os meninos estavam dando entrevistas.

Voltei de táxi para casa, coisa que não acontecia desde que comecei a namorar com Zabdiel há dois meses atrás.

Ao chegar, subi de escadas novamente porque o elevador ainda estava em manutenção. Comecei a pensar que eu usava muito mais as escadas do que o elevador. Tentava de todo modo pensar em outra coisa que não fosse o hospital.

Emma estava em casa, então abri a maçaneta sem precisar de chave. Encontrei Zabdiel e Joel jogados no sofá, tomando cerveja e assistindo algum jogo de beisebol. Pelo barulho, Emma estava no banho.

No momento em que me viu Zabdiel se levantou, deixou a garrafinha de cerveja na nossa mesa de centro e veio ao meu encontro. Deixei as alças da mochila caírem por meus braços e a joguei no chão. Senti meus ombros pesados, tudo o que eu precisava no momento era um abraço.

Como todas as outras vezes, Zabdiel sabia me decifrar como ninguém. Sem dizer nada senti seus braços envolvendo meu corpo. Esse era o seu modo de dizer que estava ali por mim. Fechei os olhos, expirando e aspirando o ar repetidas vezes, agradecendo por tê-lo ali. Joel parecia não se importar com a gente, pois continuava com os olhos grudados na tela na televisão.

Com só um dos braços em volta da minha cintura, ele se abaixou e pegou minha mochila no chão, jogando-a em seu ombro e segurando na minha mão, me puxando em direção ao meu quarto. Não contestei, apenas o segui.

No quarto, sentei na cama e Zabdiel se ajoelhou na minha frente, ficando quase do mesmo tamanho que eu sentada. Era ridículo nossa diferença de altura.

— Você quer conversar? — falou, a voz calma me trouxe de volta.

— Perdi uma paciente hoje.

Acho que nesse momento ele não soube muito bem o que responder. Nem eu sabia. Não o culpei por isso. Não havia nada a ser dito.

Suas mãos estavam em meu rosto, fazendo um carinho singelo e reconfortante.

— Eu fiz tudo que podia. — voltei a falar, com a voz embargada e baixa. 

— Te conhecendo do jeito que eu conheço, tenho certeza que sim. Mas algumas coisas fogem da nossa capacidade...

Pela primeira vez em horas consegui sorrir. Me inclinei, deixando um selinho em lábios.

— Vou tomar banho — avisei, segurando em suas mãos para que ele se levantasse do chão — Você vai dormir aqui?

Ele me olhou de canto, com uma expressão engraçada no rosto. Expressão de alguém que estava me escondendo alguma coisa.

AmnesiaWhere stories live. Discover now