38. Um passo de cada vez.

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A primeira fase do sono é aquela em que você começa a sentir as primeiras sensações de sonolência, em que sua respiração é mais calma e longa. A segunda passa bem depressa, onde além de sua respiração estar tranquila, seus músculos relaxam, sua atividade cardíaca é reduzida e a temperatura do corpo caí. A terceira é bem parecida com a anterior, a diferença é a profundidade do seu sono.

Era nela que eu estava até acordar com Zabdiel se deitando na cama. Estava de costas, mas sabia que era ele. Me virei no mesmo instante, preocupada se ele estava se sentindo mal. 

— Está tudo bem? — perguntei, me sentando na cama e observando a expressão sonolenta que ele estava.

— Sim, tudo... — respondeu, sem parecer convincente.

O quarto não estava totalmente escuro por causa da iluminação na rua, mas mesmo assim acendi o abajur que estava em cima do criado mudo, passei as mãos pelo rosto para ficar mais lúcida e bocejei, fazendo-o bocejar também.

— Você precisa me dizer se está bem ou não, Zabdiel. Isso é bem sério, não é como se você pudesse mentir. — falo mais uma vez, esperando que ele tenha esquecido um pouco do quanto era teimoso antes. Me repreendo no mesmo segundo que penso isso.

— Não consigo dormir. — falou, após um curto período de tempo encarando o edredom vermelho.

— Está sem sono?

— Não. Na verdade, têm sido uma luta não dormir. Tentei ler algum livro na internet, mas só me deu mais sono. Depois, fui ver vídeos de animais fofos e quase dormi sentado.

Engatinhei em cima da cama até chegar a ele, não precisou de muito. Ele estava sentado, apoiando as costas na cabeceira da cama. Passei uma perna para cada lado do seu corpo e segurei seu rosto com as mãos, dando um beijo em sua bochecha.

— Por que você não quer dormir?

Ele não respondeu. E então, segundos depois, entendi o motivo, porém antes que eu dissesse alguma coisa ele voltou a falar.

— Tenho medo de não acordar.

Eu sabia que era isso, mas ouvi-lo admitir me deixou sem saber o que responder. O abracei com toda a força que conseguia. Senti seu rosto se afundando em meu ombro e ele me abraçando de volta, talvez até mais forte.

Voltamos a posição de antes, mas mais próximos. Suas mãos estavam em minha cintura, acho que era o novo lugar favorito delas.

— Você não está mais no hospital, nem está mais em coma. Você está em casa, seguro, comigo. — disse pausadamente — Amanhã você vai acordar com o sol de Nova Iorque te dando bom dia. Ou a chuva te dando bom dia. Essa cidade têm sido muito confusa.

Ele riu, ou quase riu, mas foi o bastante para que eu ficasse um pouco mais aliviada. Odiava vê-lo pensando sobre isso o tempo todo, tendo medo sobre isso. É perfeitamente normal, mas ainda sim odiava.

— Parece mais fácil se você estiver comigo. É que... — ele encostou sua testa na minha e fechou os olhos — Não consigo fechar os olhos. Não dá.

— Você confia em mim? — falei, passando a mão pelo seu cabelo, ouvindo sua respiração pesada. Ele concordou com a cabeça — Então, vamos deitar.

Saí de cima dele, esperando que ele voltasse a abrir os olhos e se deitasse. Assustei quando ele se levantou da cama. Esperei por uma má reação, mas ao contrário disso, Zabdiel afofou os travesseiros e arrumou o edredom, para depois se deitar. Fiz a mesma coisa com os meus travesseiros, mas fiquei sentada na cama. Ele se deitou, cruzou as mãos em cima do corpo e ficou olhando para o teto.

Apaguei a luz do abajur e encostei meu corpo no dele. Deitei a cabeça em seu ombro, procurei por suas mãos e entrelacei-as. Com a outra mão, fiz carinho em seu rosto, mas seus olhos continuavam abertos. Passei o dedo por sua pálpebra, obrigando-o ele a fecha-la. Fiz a mesma coisa com a outra.

— Eu estou aqui. — avisei quando percebi sua respiração acelerada — Está tudo bem. Estamos no meu quarto, deitamos na minha cama. Nossas mãos estão entrelaças e vão ficar assim até acordamos daqui há algumas horas.

Sua mão apertava a minha, como se eu fosse sair dali. Meu sono tinha desaparecido, mas não sairia dali nem por um decreto. Abria os olhos esporadicamente para observar Zabdiel, mas os dele ainda estavam fechados.

— Por que eu só me lembro de você? — disse, como se tivesse pensado alto demais.

— Queria poder ter as respostas das suas dúvidas, mas eu não tenho. Li um estudo que dizia que é porque você ama muito essa pessoa. — abri os olhos e o olhei.

Ele fez o mesmo, me olhando desconfiado.

— Mesmo?

— Não. — admiti, rindo — Sei que é difícil, mas você precisa parar de se questionar sobre isso. Você está aqui, Zabdiel, acordado e bem. Você precisa dar um passo de cada vez e eu vou estar aqui para te ajudar em todos eles.

— Não parece justo. Com eles, claro. — continuou a falar, como uma criança que luta contra o sono — Você me disse que eles iam ao hospital todos os dias, e então quando eu finalmente acordo não me lembro de nenhum deles? Como eles podem ainda querer ser meus amigos?

— Não sei se você sabe disso, mas você não é tão chato assim como está sendo hoje.

— Ei! — me repreendeu, apertando minha cintura.

— Você é um ser humano incrível e um amigo melhor ainda. Aqueles garotos te conhecem há quatro anos e sabem que nunca encontrarão amigo melhor. Inclusive, Christopher morre de ciúmes de você. E sobre seus pais, eles te conhecem melhor do que ninguém nesse mundo e sabem que isso não passa apenas de uma fase.

— Madison, eu não sei quem é Christopher... — me lembrou, fazendo com que eu quisesse me esconder em um buraco e não voltar mais. Fiquei em silêncio, curtindo a bola fora que tinha acontecido — É brincadeira, sei sim. É o que tem luzes no cabelo. Você tem foto com todos na sua geladeira.

Foi a minha vez de apertar sua barriga, o fazendo rir de verdade. Lentamente, estava começando a ficar sonolenta de novo. Ficamos em silêncio por algum tempo, apenas ouvindo o som das nossas respirações.

— Vamos dormir? — disse antes que eu realmente pegasse no sono.

Zabdiel não me respondeu, então respirei fundo por ele ter adormecido. Entretanto, fiquei com um pé atrás que ele estivesse fingindo, então permaneci acordada por mais alguns minutos, até não conseguir aguentar e pegar no sono também.

Não acordei mais nenhuma vez durante a noite, ele também não, visto que estávamos na mesma posição que adormecemos. Olhei para a janela e o sol não havia aparecido, muito menos a chuva. Só um tempo nublado e feio.

Zabdiel acordou logo depois, me dando um beijo no topo da cabeça e se espreguiçando.

— O sol não me deu bom dia. — falou com a voz rouca, fazendo aquele barulho quando estamos nos espreguiçando.

— Nem a chuva. — completei, ainda deitada e sem vontade alguma de levantar.

Zabdiel se deitou novamente, apoiando o cotovelo na cama e sua cabeça em cima de sua mão, me olhando.

— Mas você está aqui comigo.

— E eu não vou a lugar algum.

AmnesiaWhere stories live. Discover now