Capítulo VII - Tocando na ferida

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Os tios de Anastasia decididamente não pareciam o tipo de casal com filhos.

Roger Quint era um homem trabalhador à beira da terceira idade e da aposentadoria. Durante anos, ajudou o pai na indústria siderúrgica com o objetivo de garantir o seu sustento, e já havia ultrapassado essa necessidade. Tinha uma casa bonita, grande, com garagem para dois carros — e estes veículos dentro dela. Podia se permitir alguns caprichos: frequentes idas a restaurantes mais caros, viagens ao exterior, objetos decorativos abstratos que por algum motivo pessoas ricas sempre possuíam... Roger era, com certeza, alguém com uma história de superação.

Já Ruth, por sua vez, não possuía uma parcela tão grande de contribuições. Acometida por uma doença aos trinta e tantos anos, a senhora foi impossibilitada de continuar sua jornada de trabalho, que lhe garantia considerável renda, mas isso não os impedia de alcançar a classe média, talvez média alta.

Agora, todo esse dinheiro era gasto em viagens, reformas, jantares... Um casal sem preocupação com o que viria após sua morte. O que quer que viesse, não era de sua conta. Não tinham filhos, e o único irmão de Roger falecera anos atrás. Por isso, aproveitavam sua vida de quase luxo enquanto podiam.

Não pareciam o tipo de casal com filhos, mas Anastasia não era sua filha.

Os oficiais de polícia já os haviam interrogado quando identificaram o corpo como sendo de sua sobrinha. Lawrence sabia que os dois estariam cansados e abalados com aquela situação, e responder a duas rodadas de perguntas no mesmo dia era um procedimento pior que a monotonia do detetive nos dias que se antecederam, mas aquilo precisava ser feito.

— Fico feliz por podermos contar com ajuda além da equipe policial — agradeceu a Roger, assim que Lawrence se apresentou e lhes deu um breve resumo do motivo de estar ali. O homem parecia um tanto distante, entretanto, e a gratidão não se mostrou tão genuína quanto poderia. — É bom estarmos diante de um detetive...

Ele olhou o homenzinho de cima a baixo.

— ...profissional — emendou.

Esta última frase soara ainda mais falsa que a anterior, mas Knopp não se importou. Já estava acostumado.

Lawrence convidou a si mesmo para sentar-se à mesa e os dois o acompanharam. Pediu para lhe fazerem um resumo mais detalhado sobre sua sobrinha. Eles, como tios, tinham o dever de saber mais sobre a vida da garota do que um superintendente que não fazia mais do que sua obrigação.

O casal lhe forneceu as mesmas informações que Keplan lhe dera e acrescentou outros fatos talvez importantes. Anastasia estava desempregada, sempre fora desempregada. Tinha o costume de se enfiar no quarto durante horas, às vezes escrevendo suas poesias e às vezes na frente do celular. Morava com eles havia três anos, desde que seus pais morreram.

Esse assunto, que perturbara Lawrence no telefonema com o policial, emergia novamente. Pediu detalhes.

— Foi durante um assalto — revelou Ruth. — Durante a madrugada. Alguém invadiu sua casa, pensando estar vazia, mas não estava. O homem atirou neles. — Prevendo o próximo questionamento, se adiantou: — Anastasia se escondeu no armário. O ladrão apenas levou alguns pertences e foi embora, mas foi capturado, esse demônio. Bem feito! É uma infelicidade terem abolido a pena de morte.

Lawrence ficara com pena da trágica história da jovem. Perder os pais era uma experiência muito traumatizante, ele sabia bem, mas essa aura de tristeza se quebrou após ouvir o último comentário da mulher. Não que ele pudesse discordar totalmente.

— Soube que ela não possuía irmãos e nem filhos, mas existia algum primo?

— Não, senhor — disse Roger. — Somos os últimos da família Quint.

Morreu, mas Passa Bem - Série LawWhere stories live. Discover now