74 § A consulta (in)dispensável

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Eva e dona Isabel celebram um inusitado contrato. Contudo, Eva tem dúvidas acerca de se fez o correto.

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— Érica—

Poderia bem ser simplesmente mais um dia banal como os outros

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Poderia bem ser simplesmente mais um dia banal como os outros. Enquanto aguardo pela autorização do sinal luminoso para que possa atravessar a passadeira, do outro lado da via lá está o mesmo homem de sempre. 

Ele deve estar na casa dos trinta, cabelo embrenhado, barba de um par de dias. O homem parece estar constantemente numa corrida contra o tempo. Assim que o sinal muda para verde, lá ele enceta o seu sprint habitual, com o carrinho de bebés, gémeos, provavelmente em direção ao infantário. 

Contorna com perícia e rapidez as pessoas que tal como eu se cruzam com ele na passadeira, e lá segue o seu caminho indiferente aos protestos das crianças dentro do carro. Há meses que nos cruzamos nesta passadeira, a esta hora. 

Podíamos já ser os melhores amigos, contudo, não obstante este ritual, nunca trocámos uma palavra sequer.

Talvez a justificação para isso resida nos meros segundos que o sinal permanece verde para o peões, ou talvez o motivo se prenda com estarmos sempre em sentidos opostos, um de cada lado da via. Ou ainda, a razão para tudo isto seja simplesmente a de que no início a vida deste homem não me suscitava interesse e muito menos me despertava a atenção. 

Contudo, agora tudo é diferente. Hoje em dia, atento a cada detalhe dele como pai: o seu modo de agir, a gestão caótica que faz do seu tempo,o seu aspecto de cansado e pouco arranjado.

Questiono-me se será assim com todos os pais jovens? Se ter um filho exige sacrificar tanto e abdicar da nossa vida pessoal. 

Hoje é o dia em que Bruno supostamente deveria acompanhar-me ao ginecologista. A consulta está marcada para daqui a pouco mais de meia hora, porém Bruno nem apareceu esta noite em casa.

Quiçá esta seja o único aspeto positivo que a entrevista de Eva trouxe: o de ter desviado os holofotes de mim. Neste momento as atenções de Bruno e da minha futura sogra devem estar viradas para ela. Acho que vou conseguir viver mais outro dia, sem que toda a verdade se descubra.

Consola-me o calor que emana do recipiente com o meu café latte de tamanho industrial que acabo de comprar num quiosque ao lado da empresa. Com ele estou preparada para iniciar mais uma jornada de trabalho, certa de que Bruno não terá tempo para mim hoje.

No percurso entre o quiosque e a empresa noto uma fila de pessoas para as duas caixas automáticas de levantamento de dinheiro. Constato que é final do mês e daí toda aquela azáfama para confirmar se o ordenado já caiu na conta. 

A Esposa PerfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora