BÔNUS

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THIAGO WATERHOUSE

Há um momento na vida que seus demônios passados retornam com as consequências das suas escolhas ruins, e nos últimos tempos eles vem trazendo as minhas.

Venho vivendo um inferno interior desde o momento que rejeitei a minha filha, o meu egoísmo falou mais alto, acima de tudo o meu orgulho, agora estou colhendo aquilo que plantei nos últimos dez anos.

Por mais forte que eu me faça, não sinto paz, meu lobo me odeia, aliás, somos dois em um, o meu lado humano egoísta e o meu lado lupino, esse lado que dá valor a família acima de tudo. Não precisa pensar muito para saber quem venceu a batalha, porém, meu lobo está vencendo a guerra, me martirizando a cada dia por ter rejeitado a sua filhotinha.

Sempre fui uma criatura com um lado obscuro, não nego, não sou o melhor dos homens, sou egoísta, orgulhoso, invejoso, tenho muitos defeitos, não sou de me importar com os sentimentos das pessoas, a não ser os meus.

Nunca tive afeto pelo meu irmão, Thomas sempre foi o favorito da família, meu pai sempre passava em minha cara que apesar dele ser mais novo, seria melhor do que eu em muitas coisas, a partir desse momento que passei a odia-lo.

O mesmo sempre teve tudo, todas as garotas, o afeto de todos, o melhor da turma, o favorito da alcatéia, melhor empresário do que eu, o único momento que me senti bem, por mais horrendo que seja, foi no dia que descobri que ele não seria pai, pelo menos não do seu sangue ou com a mulher que ama. Me senti superior, eu tinha algo que ele não tinha, a minha filha com a minha esposa.

Ah minha esposa, minha doce e linda Isobel, a única que trazia o meu lado bom, que trazia alegrei e cor ao meu mudo completamente obscuro, a única que conseguia enxergar qualidades que nem eu mesmo via, ela foi a melhor coisa que me aconteceu.

Quando ela morreu, meu mundo ruiu, ela levou tudo de mim junto com ela e me senti um inútil, pois não consegui fazer nada para salva-la, a partir daquele momento eu queria acabar com a minha vida, fui um desses fracos que não suporta viver sem a sua companheira e morre junto com ela, mas eu tinha uma filha para criar, filha essa que fiz um péssimo trabalho.

Eu precisava de um meio que me permitisse continuar vivo para ajudar a minha filha, mas em vez de focar nela, foquei no álcool e depois em trabalho, virei um viciado, me tranquei em um mundo que fazia minha mente se manter ocupada e não pensar em Isobel ou em Eleanor, que cada vez mais se tornava idêntica a mãe.

Eu sabia o que a minha filha passava, estava ciente do bullying, da solidão, da minha falta de afeto para com ela, Agnes me cobrava isso, mas eu ignorava, vivia no luto constante, estava sendo egoísta pensando apenas na minha dor, os anos foram se passando e eu não mudei, não consegui seguir em frente, estava preso ao passado.

Quando Thomas apareceu dizendo que ia levar a minha filha, senti um ódio profundo, ele queria tira-la de mim, já tinha tanta coisa em sua vida e queria Eleanor, mas quando a minha filha disse que queria ir embora, me senti traído, até ela preferia a ele do que a mim.

Hoje não a culpo, eu fui um merda de pai, Thomas estava ali fazendo um papel que deveria ser eu a fazer, Eleanor queria afeto e atenção, então recorreu a quem poderia lhe dá, porém, na época, mais uma vez fui egoísta e a rejeitei, no começo não me importei, mas com o tempo minha venda foi sendo arrancada.

Estava sozinho, perdi tudo, minha esposa, minha filha e até mesmo meu irmão, quando a ficha caiu a vida começou a me cobrar, mas eu era orgulhoso demais para querer pagar a minha dívida.

Foi então que o tormento começou, não dormia mais, não sentia ânimo algum, desapeguei do trabalho, a alcatéia estava se tornando um caos, o mundo ruindo ao meu redor e eu não fazia nada, não me importava.

Eu precisava de paz, só a teria quando concertasse as coisas, sentia essa necessidade de resolver tudo ou então seguiria a minha eternidade em um grande tormento, foi então que engoli o meu orgulho e liguei para o Thomas, conversei com ele e apesar de todas as merdas que lhe fiz, o mesmo concordou em conversa.

Óbvio que não foi uma conversa fácil, ele estava magoado, me odiando, me insultou, passou na cara todas as minhas merdas, porém, escutei tudo calado, Thomas estava certo sobre tudo, mas depois esclareci as coisas, tudo o que eu sentir durante todos esses anos, ele me escutou atentamente e foi nobre o suficiente para me dá o seu perdão, assim como sua esposa.

Uma parte estava feita, agora só faltava resolver as coisas com Eleanor, o que não foi tão difícil como pensei, a minha filha era humilde como a mãe, na verdade ela é a cópia fiel da minha esposa.

Quando a vi linda em seu noivado, percebi tudo o que perdi, o seu crescimento, sua puberdade, o desenvolver dos seus poderes, todos os momentos que poderíamos ter passado juntos, mas agora está no passado, não tem como voltar atrás, então o melhor é não me lamentar.

Sentir um peso enorme ser arrancado de mim quando ela me perdôo, não iria exigir mais nada que o seu perdão, eu não merecia, nem se quer merecia o seu perdão, mas ela ainda assim me deu e sou grato por isso.

O mínimo que posso fazer por ela agora é torcer por sua felicidade, e sei que ela vai ser feliz, a lua lhe deu um ótimo companheiro, que a ama verdadeiramente, juntamente com uma família maravilhosa, sem falar no meu irmão, que tenho certeza que será um pai maravilhoso para a minha menina, um pai que eu nunca fui.

O jato começa a tremer, olho ao redor, mas não me abalo, nada mais me abala no momento, estou tranquilo.

- Senhor- a comissária aparece desesperada- um dos motores parou de funcionar- olho para ela e assinto tranquilamente, só lamento pela sua vida e do piloto, pois a minha não importa, a comissária me olha como se fosse louco e sai do meu campo de visão.

Me ajeito mais na poltrona confortável, pego a foto da minha família no bolso e dou um pequeno sorriso, um pequena lágrima escorre, mas trato de enxuga-la, aperto a foto contra o meu peito, fecho os olhos e um pequeno sorriso surgi em meus lábios.

Minha memória é invadida por momentos felizes, o dia que conheci Isobel, ela estava treinando e me atingiu com uma bola de energia, lembro do seu desespero, quando eu só conseguia admirá-la, lembro dos nossos momentos felizes, o casamento, o dia que descobriu a gravidez, o nascimento da Eleanor, nossos momentos em família, minha Isobel em seu leito de morte, eu rejeitando a nossa filha, vendo-a linda em seu noivado, para finalizar o abraço que ela me concedeu, que me trouxe grande paz.

Eu me sentia em paz, isso que importava, meu irmão estava feliz, minha filha estava feliz, isso me bastava para ir tranquilo.

Destinada A Um AlfaWhere stories live. Discover now