1 - Velho andarilho

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Um garoto magro e dono de um cabelo extremamente vermelho arrumava pequenos pedaços da Grama Seca que ele usaria de alimento, uma água de qualidade duvidosa e alguns mapas em um grande e surrado saco feito a partir da pele de alguns animais.

Ao seu redor havia uma simples cama de madeira e algum feno por cima que tentava tornar a experiência de dormir ali aceitável, pelo menos na teoria.

Existiam também alguns baldes de madeira espalhados cujo objetivo era impedir que a água da chuva do dia anterior caísse no chão através das goteiras do teto precário, o menino olhava pra tudo aquilo e pensava - Quando será que eu vou voltar aqui..? - quando de repente ouviu seu pai lhe chamando - Vem cá, moleque.

Sem pensar duas vezes Luvian andou ao encontro daquela voz. - Pai, não se preocupe, já me certifiquei que eu vou ter comida e água por toda a viagem - dizia o garoto enquanto olhava pra figura envelhecida e magra do seu pai.

Sua mãe foi sempre uma pessoa doente e que não tinha as forças para sair da cama, então esse homem já de cabelos brancos e rugas no rosto que estava agora na sua frente carregou toda a responsabilidade pela família.

Ele estava longe de ser o mais brilhante ou inteligente dos homens, mas sem nenhuma experiência ele construiu a pequena cabana onde moravam, através de inúmeras noites aprendeu e costurou todas as roupas da família e até mesmo passou dezenas de horas praticando para que pudesse desenhar um retrato que lembrasse um pouco a sua esposa.

- Droga, eu só queria que a sua mãe estivesse aqui agora pra poder ver o nosso moleque saindo de casa igual um homem - resmungava seu pai enquanto ele acariciava um pequeno retrato de uma senhora, essa senhora é a mãe de Luvian.

Nos últimos meses antes de sua mãe morrer, Luvian e seu pai trabalhavam duro durante todas as noites e todos os dias em sua pequena plantação e não haviam muitas pessoas que viviam nas proximidades, por conta disso, além de serem pai e filho, também eram grandes amigos.

O menino planejava participar pela segunda vez do exame para se tornar um servo inferior da seita Mil Dragões, exame esse que acontecia uma vez por ano.

Por isso, era possível dizer que o garoto já tinha alguma experiência no assunto, a novidade dessa vez era que o exame aconteceria dentro da própria seita, diferente do ano passado, em que o teste foi realizado numa plantação a 3 dias de distância dali.

Um servo inferior poderia desenvolver diversos tipos de trabalhos para a seita, entre esses existia a função conhecida como "Agricultor" que seria responsável por cuidar de pequenas áreas de plantio designadas como 'lotes' e enviar 8 em cada 10 grãos plantados diretamente para a seita.

Esse era o objetivo do jovem Luvian, as terras em que ele e seu pai viviam eram na verdade um minúsculo plantio que ninguém nem mesmo reclamou quando seu pai construiu uma cabana e chamou essa terra de sua, seu sonho era ganhar um grande lote de solo fértil para que os dois pudessem ter uma vida melhor.

Observando o rosto pensativo do seu filho, Leom exclamou com uma pequena chama em seus olhos - Moleque, não pense tanto no exame, seu pai aqui nunca passou em nenhum exame nessa vida e é um homem sem igual abaixo do céu hahah.. - tentando confortar seu filho, ele continuou - E também dessa vez as coisas vão ser diferentes Luvian, seu tio que é um poderoso imortal lhe deu o direito de estudar sob sua tutela!

Escutando isso o menino sentiu seu coração sangrar ainda mais.

Luvian podia se lembrar perfeitamente do dia em que ele viu pela primeira e ultima vez o seu tio, ele passava pela pequena plantação do seu pai montado em um animal estranho que destruía e comia parte do plantio sem ao menos se importar, naquele tempo seu pai prontamente forçou um sorriso no rosto e o saudou profundamente, ele recordava que seu pai tinha pedido para Luvian esperar enquanto levava seu tio pra dentro da humilde cabana, lembrando como ele espionou pela janela e viu seu pai entregando o pouco que conseguiu guardar em décadas de economia e implorando de joelhos pro seu irmão levar seu filho como discípulo, lágrimas começaram a se formar no rosto do menino.

A impressão que Luvian tinha desse seu tio definitivamente não era boa.

- Espera ai garoto, eu tenho um presente pra te dar.. - enquanto seu pai lhe alcançava um livro protegido por um tecido preto como se fosse um grande tesouro, ele estufou o peito e disse - Esses são os registros do que aprendi quando eu tentei seguir o caminho do cultivo, por meses estudei as artes da espada mas acabei não indo muito longe... mas enfim, tudo o que eu aprendi está aqui...

Luvian aceitou e prontamente abraçou seu pai para esconder as lágrimas que já saiam dos seus olhos castanhos, naquele abraço apertado ele pôde sentir os frágeis ossos do corpo de seu pai e a pele seca e envelhecida que os revestiam, pensando na situação do seu velho pai, Luvian não conseguiu suportar e passou algum tempo chorando igual uma criança pequena.

Depois de uma longa e carinhosa despedida, Luvian saiu das terras do seu pai e foi em direção a uma estrada estreita de terra, essa estrada conectava todas as plantações que vendiam seus grãos para a Seita e servia como uma espécie de guia para os comerciantes e fazendeiros da região.

Não havia muito o que se contemplar no caminho, tudo o que existia ao redor do menino eram cercas que demarcavam o começo das terras de alguns dos seus vizinhos e um matagal que chegava até a cintura de Luvian.

Chegando finalmente até a estrada, o garoto soltou um suspiro de alivio e começou sua jornada. Durante o dia ele caminharia até que seus pés não aguentassem mais e as noites ele dormiria fora da estrada, na parte alta do matagal, onde seria impossível para alguém que estivesse na estrada enxergá-lo. Da forma que seu pai tinha o aconselhado.

Após alguns dias seguindo essa rotina e sem ter visto ninguém até agora, Luvian já se perguntava se alguém realmente usava essa estrada quando de repente ele pôde ver o corpo de alguém aparecendo lentamente a distância, claramente ainda muito longe.

Essa foi a primeira vez que o menino viu outra pessoa em dias, mas ele estava no meio do nada e sabia que seria difícil se defender se a outra parte tivesse más intenções, Luvian não deixou passar nem mesmo um segundo e logo se escondeu da melhor forma possível no matagal.

O garoto ficou abaixado e passou a segurar firmemente uma pequena faca que antes usava para abrir caminho nas plantações.

Enquanto grandes gotas de suor caiam pelo seu rosto, ele observou cada passo que a outra pessoa dava através das pequenas aberturas entre as plantas enquanto o suspense crescia dentro do seu coração.

Aquele de túnica preta que vinha a distância não parecia ter pressa ao caminhar, cada passo foi dado num mesmo espaço de tempo, seu olhar varria centenas de metros adiante antes mesmo de seu pé encostar o chão.

Obviamente Luvian não sabia de nada disso, tudo que ele pensava ao ver aquela figura se aproximando era que mesmo algumas das tartarugas da sua plantação conseguiriam ser mais rápidas do que essa pessoa.

Após alguns minutos, quando o homem finalmente chegou perto de onde o menino estava escondido, ele parou de caminhar repentinamente.

O coração de Luvian passou a bater mais rápido que o mais veloz dos cavalos e suas mãos já tinham marcas profundas de tanta força que o garoto segurava o cabo de sua faca.

O homem lentamente virou seu rosto, olhou diretamente para onde Luvian estava escondido e disse - Pequeno amigo, não é do meu feitio atrapalhar aqueles que tem olhos para apreciar a beleza de uma planta, mas este velho tem sede, o pequeno amigo teria alguma água para desperdiçar com esse velho andarilho?

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