4 - Vou encher minhas mãos de dejetos!

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Demorou um longo tempo para que alguns pensamentos voltassem a passar pela cabeça do menino, a cena na frente dele era simplesmente incrível.

Era como se existisse alguma barreira invisível que protegesse aquele homem e o seus arredores enquanto o resto da rua transbordava em água e sujeira. Em seus 15 anos vivendo no campo, quando foi que Luvian viu algo assim?

Ele lentamente se acalmou, sabendo que agora estava em uma situação preocupante o menino começou a pensar em maneiras de sobreviver pelos próximos dias. 

Contando o dinheiro que seria usado para pagar a inscrição no exame da seita e o que ele havia recebido no dia anterior, ele tinha agora 32 moedas de cobre.

Ele também possuía comida suficiente para 5 dias, mas pensando em como o teste ainda estava a 2 meses de distância, ele sabia que seria impossível ficar vivo até la.

Com a experiência de uma vida inteira na extrema pobreza, ele tinha um certo talento quando o assunto é racionar mantimentos e rapidamente bolou uma estratégia: comer uma vez por dia em quantidades menores e procurar por alguma maneira de ganhar mais moedas de cobre.

Com isso o garoto ficou satisfeito, ao comer metade do que estava acostumado a comida deveria durar o dobro do tempo, ele realmente não queria gastar antes da hora nenhuma daquelas 30 moedas de cobre que seriam usadas para pagar por sua inscrição.

Pensando até aqui, Luvian de repente lembrou do seu tio e uma frieza passou pelo seu olhar, como ele poderia estar nessa situação se seu tio imortal tivesse cumprido com sua palavra? Alguma coisa inesperada teria acontecido?

Com um coração cheio de dúvidas e um futuro incerto, o menino carregou o saco de carregamento pra fora do beco e logo começou a andar pela cidade outra vez.

Suas roupas já estavam grudadas no corpo por conta da água, seu cabelo pingava e até aquele seu velho sapato agora deixava uma trilha de marcas feitas de água por onde passava.

Luvian podia sentir sua garganta ficando irritada e sabia que um gripe estava à caminho, sem alguns cuidados e certas plantas medicinais uma gripe poderia ser fatal nessa época. Mas nada disso poderia impedir aquele menino de continuar andando, afinal, que pobre nesse mundo tem o luxo de ser preguiçoso?

Depois de andar por alguns minutos, Luvian estava desanimado, caminhando até aqui ele não havia encontrado nem mesmo uma única pessoa. Quando o garoto estava prestes a xingar os céus ele de repente viu a distância uma multidão se reunindo, ali deveriam ter centenas de pessoas.

Com passos cautelosos e em estado de alerta o menino lentamente se aproximou daquele lugar, chegando mais perto ele viu uma fila de pessoas, nessa fila existiam pessoas velhas, pessoas assustadoras, mães com filhos no colo, e até mesmo algumas crianças, todos ali, esperando pacientemente.

Luvian estava em choque, foi a primeira vez que ele viu tanta gente num mesmo lugar, ele desconfiava que metade da cidade inteira deveria estar aqui. Mas o estranho é, o que poderia fazer tanta gente assim esperar? conforme ele foi se aproximando ele pôde ver o motivo, era um... mural?

Naquele grande mural existiam centenas de pergaminhos pendurados, como se estivessem esperando por alguém tira-los dali. 

Foi somente depois de chegar perto daquele mural e ler alguns dos pergaminhos foi que ele entendeu o que estava acontecendo, eles estavam distribuindo trabalhos!

Naqueles pergaminhos estavam escritas descrições de algumas tarefas e também, algo que Luvian não conseguiu entender, todos eles tinham as palavras "1 Estrela" na parte de baixo. Mas logo uma voz atrapalhou seus pensamentos - Hmph! Fim da fila, moleque!

Virando-se pra trás e olhando pro dono daquela voz, Luvian quase esqueceu como se respira, quem havia falado com ele era um homem carregando uma lança e olhando extremamente feio em sua direção, o menino prontamente se desculpou e correu pro final da fila.

O que o menino de cabelos vermelhos não sabia, é que aquela era uma cidade-vassalo da Seita Mil Dragões, cidades-vassalo ficavam nas proximidades da seita e eram úteis por diversos motivos, poderiam servir para plantar armadilhas no caso de uma invasão e até mesmo eram responsáveis por executar algumas tarefas que a seita ordenaria, essas tarefas seriam repassadas para os moradores através desses murais.

Depois de algumas horas de espera e sendo o ultimo da longa fila, Luvian só poderia escolher entre poucos pergaminhos diferentes, um deles descrevia um trabalho coletando "dejetos" algo que por conta do seu vocabulário limitado, o menino não conhecia o significado, mas ele pensou - Qual poderia ser a dificuldade de simplesmente coletar alguma coisa?

Já outro pergaminho que o chamou atenção falava sobre caçar um ladrão e assassino chamado Viur, o curioso é que abaixo desse pergaminho estava escrito "2 Estrelas" em vez de "1 Estrela" como todos os outros.

Chegando na sua vez, o menino não tinha intenção nenhuma de mostrar timidez, estufou o peito e foi em direção a um pequeno balcão que havia na proximidade.

Uma atendente loira e de rosto arredondado que trabalhava atrás daquele balcão não perdeu tempo e perguntou - Qual trabalho o irmãozinho escolheu? - Luvian ainda de peito estufado colocou um sorriso que parecia querer mostrar todos os seus dentes amarelados e disse em voz alta - Eu vou coletar todos os dejetos que existem!

Silêncio. Todo o lugar ficou em silêncio por alguns segundos.

Nenhum cultivador aceitaria um trabalho desses, mesmo se pagasse 10 vezes mais ninguém iria escolher aquele pergaminho. Cultivar é desafiar a própria vontade dos céus, qual deles estaria disposto a fazer algo tão baixo?

Nada disso foi percebido por Luvian, ele agora estava tão feliz por ter encontrado um trabalho quando mais precisava que até começou a desconfiar que ele poderia ser algum tipo de filho privilegiado dos Deuses.

Luvian logo percebeu que a atendente olhava pra ele de um jeito estranho e rapidamente pensou - Droga, será que acabei me exibindo demais?

Com a intenção de ficar com uma boa imagem entre os moradores, ele logo se corrigiu e disse em voz alta - Talvez eu não consiga coletar todos, mas certamente vou encher minhas duas mãos de dejetos!

Um senhor que passava por ali apoiado por uma bengala não aguentou escutar alguém falando isso de forma tão orgulhosa e até caiu no chão.

- Isso! dessa vez não me exibi demais mas também consegui deixar uma boa impressão, na medida certa... - enquanto Luvian pensava no peso que suas palavras teriam a atendente loira se recuperou do pequeno choque.

- Err... o irmãozinho é bastante.... err.. corajoso, de qualquer forma, aqui está o seu pergaminho - disse a menina enquanto entregava nas mãos do garoto aquele pergaminho enrolado.

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