2

352 7 0
                                    

No qual, mais calmos, eles tentam decifrar o mistério da Casa Verde

Por algum tempo ficaram ali, ofegantes, sem poder falar. Finalmente, André bradou, apontando a Arturzinho um dedo acusador: — Eu disse, cara! Eu disse que essa história ia terminar mal! Todo o mundo sabe que essa tal de Casa Verde é mal-assombrada e que a gente não deveria passar nem perto. Mas você tinha de inventar essa coisa de clube. Porque você pensa que é o maior, que sabe tudo. Viu, cara? Viu no que deu? Arturzinho não teve como responder: aparentemente André tinha razão. Pedro Bola, então, não tinha dúvida: era um fantasma, aquilo que eles haviam visto. Leo, porém, discordava: —Para mim não era fantasma.
André olhou-o, assombrado com aquela audácia. Desde quando o baixinho ousava contrariá- lo? Mas Leo repetiu: — Não era fantasma coisa alguma.
— Ah, não — André, irônico, a custo contendo-se: a vontade que tinha era de dar um tabefe no outro. — Não era fantasma. E o que era, então? Diga, você que sabe tudo, o que era aquilo? Uma visão, por acaso? Nós quatro tivemos, ao mesmo tempo, uma visão? Foi isso? — Não. Não era uma visão — Leo, no mesmo tom surpreendentemente calmo.
— Ah, não. E o que era? Pode o amiguinho nos dizer, por favor? Estamos ansiosos por ouvi- lo, senhor professor doutor Leo.
Leo optou por ignorar a gozação.
— Era uma pessoa. Um homem. Alguém de carne e osso, como nós.
— Essa não — protestou Pedro Bola. — A Casa Verde está completamente fechada, ninguém poderia ter entrado lá. Além disso, como é que você sabe que era uma pessoa? Você tocou o homem, por acaso? — Não. Não toquei.
— E então? De onde é que você tirou a certeza de que era alguém como nós? — Por causa das bananas.
— Bananas? — Pedro Bola não estava entendendo mais nada. — Que bananas, cara? De que você está falando? — Estou falando — continuou Leo, no mesmo tom calmo — de um prato com bananas que estava sobre aquela mesinha ao lado do homem.
Os outros se olharam, perplexos: ninguém tinha visto banana alguma. Mas Leo insistiu: — Havia, sim, um prato com bananas maduras. Tenho certeza absoluta.
— Muito bem — disse André, irônico. — Então havia ali um prato com bananas. E daí, espertinho? — Daí que fantasma não come banana.
Os outros calaram-se, estarrecidos.
— Pensando bem — admitiu Arturzinho —, Leo tem razão. Fantasma não come banana. Aliás, que eu saiba, fantasma não come coisa alguma. Logo, aquele homem que nós vimos lá não era um fantasma. — E para Leo: — Você tem uma grande cabeça, cara.

Admiração sincera, mas não partilhada por todos. Pedro Bola achava o Leo um garoto encolhido, insignificante. Já André o invejava: Leo era o melhor aluno da classe, tirava sempre notas excelentes. Sempre que podia, André debochava dele, tentava ridicularizá-lo. O que deixava Arturzinho indignado. Sabia que Leo tinha uma existência sofrida. Órfão de pai, fazia o que podia para ajudar a mãe, costureira pobre, a sustentar a casa; além disso, cuidava de uma irmã inválida. E mesmo assim conseguia ler e estudar, o que a Arturzinho parecia uma coisa heroica.
— Mas esperem um pouco — disse Pedro Bola, intrigado. — De fantasma eu não entendo, mas de banana entendo, e muito: como meia dúzia todos os dias. Como é que aquelas bananas foram parar lá? Sei que não tem nenhuma bananeira por perto, uma vez andei olhando aquela área. Logo, o homem deve ter comprado. Mas se comprou em algum lugar...
— ... ele seria uma figura conhecida — completou Leo. — Ninguém poderia esquecer aquele tipo. Vocês repararam nas roupas dele? Ninguém tinha reparado. Todos se lembravam da feroz expressão do desconhecido, mas nas roupas não tinham atentado.
— Ele estava vestido — continuou Leo — como um cavalheiro do século XIX: casaca preta, camisa branca, gravata de laço. Seria impossível uma figura assim andar por aí sem chamar a atenção. Principalmente numa cidade pequena como a nossa.
— Você quer dizer — Arturzinho, intrigado — que o homem nunca sai da Casa Verde?
— É o que eu acho — disse Leo. — Inclusive por causa de um outro detalhe: eu nunca vi um sujeito tão pálido. Aquela cara não vê sol há muito tempo. Aposto que ele...
— Não interessa — interrompeu André. — Eu não quero nada com esse cara. Fantasma ou não, ele já ocupou a Casa Verde. De modo que a ideia do Arturzinho foi para o espaço. Podemos esquecer esse tal de clube.
— Talvez não — disse o Arturzinho.
— Como não? — Estamos partindo da hipótese — continuou Arturzinho — que esse homem quer ficar sozinho, que ele não quer ver ninguém. Mas será que é assim mesmo? Não sei.
— Como? — André não percebia aonde o outro queria chegar.
—Nós não sabemos — continuou Arturzinho. — Ele não disse nada. Nem nós. Não sabemos que tipo de homem ele é. De repente, é um cara até legal... esquisito, mas legal, um cara que não se importará se a gente fizer o nosso clube numa das salas, e que até gostará disso... quem sabe a gente o convida para ser uma espécie de presidente de honra? Eu acho que temos de bater um papo com o sujeito, descobrir quem é, porque se veste daquela maneira... Enfim, temos de ficar amigos dele.
— Essa não! — bradou Pedro Bola, indignado. — Bater um papo com aquele tipo? De jeito nenhum. Eu estou fora. Não volto lá nem amarrado.
— Espere um pouco — disse Leo. — Essa ideia eu não acho de todo má. Arturzinho tem razão: o cara não mandou a gente embora. Aliás, nem falou. Só nos olhou.
— É, só nos olhou — disse André Catavento. — Agora: se olhar matasse, já estaríamos mortos.

— Isso é a sua impressão — disse Arturzinho.
— É a minha também — acrescentou Pedro Bola.
— Bem — disse Arturzinho —, parece que temos um empate de votos. Vamos decidir no cara ou coroa. Cara: nós vamos lá, falar com o homem. Descobrimos quem ele é, o que está fazendo na Casa Verde, perguntamos se topa a ideia do clube. Coroa: esquecemos tudo, fazemos de conta que nada vimos.
Tirou do bolso uma moeda, jogou-a para o ar, apanhou-a, mostrou-a a todos: cara.
— Puxa vida, Arturzinho — disse André, despeitado. — Você não gosta de seu apelido, mas cá entre nós, só um xereta como você para ter a ideia de procurar o homem, hein? — Eu tive a ideia — Arturzinho, triunfante —, mas quem decidiu foi o destino. Você viu.
— Vi — concedeu André. — Mas ainda acho que vamos fazer uma bobagem.
— Ora — disse Arturzinho. — Na pior das hipóteses, vamos ter de correr de novo. Mas no mínimo é uma aventura. Você não gosta de aventuras? Você que só vê filmes de ação? Faça de conta que está num filme: O mistério da Casa Verde.
— Desde que a gente não leve um tiro... — suspirou Pedro Bola.
— Não vamos levar tiro algum — garantiu Arturzinho. — Vamos ficar amigos daquele homem. E ele ainda vai cuidar do clube para a gente, vocês vão ver.
Combinaram um encontro para a noite seguinte, à mesma hora. E separaram-se. Arturzinho foi para a confortável casa em que morava com os pais e dois irmãos mais velhos. André permaneceu ali, no apartamento de andar inteiro, do qual — filho único que era — tinha um quarto enorme. Pedro Bola também morava num apartamento com a mãe, divorciada, uma irmã e uma tia. Leo era o que tinha de percorrer um trajeto maior: morava numa casa modesta, num bairro afastado.
Quando se deitaram, já madrugada, os quatro pensavam na mesma coisa: no estranho homem da Casa Verde.

O mistério da casa verde Where stories live. Discover now