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No qual Arturzinho recebe uma ajuda inesperada

— Você anda meio estranho — disse o pai, na manhã seguinte. Estavam só os dois na mesa do café; a mãe de Arturzinho, professora de inglês, já saíra para a aula.
— Estranho, como? O que é que você notou de estranho em mim?
— Várias coisas. Para começar: você quase não comeu. Nem parece o Arturzinho que toda manhã devora frutas, sanduíches, cereal. Além disso, você está muito quieto. Quando você era menor, e ficava calado desse jeito, eu dizia à sua mãe: esse garoto está aprontando alguma. Mas agora acho que não é o caso. Melhor dizendo: você até pode estar aprontando, mas não é só isso. Algo está acontecendo, filho. Você não quer me contar? Quem sabe eu posso ajudar em alguma coisa...
Arturzinho hesitou. Depois, num repente, contou tudo: a história com a Casa Verde, o homem que tinham encontrado ali, o relato que Lúcia lhe fizera. O pai ouviu em silêncio.
— Bem — disse, por fim. — Você falou muitas coisas, mas acho que o principal é esse assunto do homem que se trancou na Casa Verde. Pelo jeito, ele está sofrendo e a família está sofrendo com ele. Talvez a gente possa ajudá-lo.
Pensou um pouco: — Vamos conversar com um colega meu, um psiquiatra. Ele pode nos dizer o que fazer.
Pegou o telefone, ligou: — Alô, Eduardo? Bom que peguei você em casa. Escuta: o meu filho, o Arturzinho, quer falar contigo. Como? Não, ele não está com nenhum problema... Melhor: ele quer ajudar umas pessoas a resolver um problema. Quando é que ele pode ir ao teu consultório? Hoje à noite? Ótimo.
Desligou.
— O Eduardo vai conversar contigo. Ele é um excelente profissional, e um bom amigo. Acho que você vai gostar desse encontro.
Arturzinho passou o dia muito ansioso. Queria contar a alguém o que estava acontecendo. Lúcia? Talvez. Mas temia que ela o achasse metido. Não, o melhor seria procurá-la com sugestões concretas. E os amigos? Não seria o caso de levá-los junto para a conversa com o psiquiatra? Depois de pensar um pouco resolveu ir sozinho: talvez o doutor não gostasse de ver o grupo todo entrando em seu consultório. Optou por avisar apenas o Leo.
À hora marcada, oito da noite, lá estavam eles, no consultório. O doutor Eduardo, colega do pai de Arturzinho, era um homem alto e elegante, com barba e cabelos grisalhos. Recebeu-os, convidou-os a sentar, pediu que contassem a história, o que Anurzinho fez. Quando terminou, o doutor ficou um instante em silêncio.

— A julgar pelo que você contou — disse, por fim —, esse homem tem uma identificação... doentia, com o alienista. Acho que vocês sabem o que é um alienista...
— Sabemos — disse Arturzinho. — A nossa professora, a Isaura, contou-nos toda a história. Impressionante... Só não entendo uma coisa: como é que esses tais de alienistas tinham tanto poder? — Já vou responder a essa pergunta. Mas antes, é preciso que vocês saibam uma coisa: loucura é um conceito que mudou com o tempo. Na Idade Média, por exemplo, se alguém ouvia vozes ou tinha visões, esse alguém não era considerado necessariamente um maluco: podia ser um santo, recebendo mensagens do céu. E muitos loucos viviam com suas Famílias, nas aldeias, sem que ninguém se preocupasse com eles. Só mais tarde é que surgiu o hospício. O objetivo era tratar os doentes mentais, claro, mas também tirá-los das ruas: perturbavam e além disso davam mau exemplo, porque não trabalhavam, não consumiam... Os loucos não só eram recolhidos, mas eram também acorrentados, como se fossem animais ferozes. Na época da Revolução Francesa essa situação melhorou um pouco: um médico chamado Pinel, que fazia parte do governo, tomou a iniciativa de libertar aquela pobre gente. Abriu o livro e mostrou duas gravuras antigas. Numa, viam-se os doentes mentais presos por pesadas correntes; na outra, estava Pinel, ordenando a libertação dos enfermos.
— Mas — continuou o médico — o hospício continuou existindo. A loucura agora chamava-se alienação mental. Alienado quer dizer desligado, estranho...
— Teve um filme chamado Alien...
— É isso mesmo. Referia-se a seres de outras galáxias, não é? Pois os loucos eram considerados mais ou menos isso, criaturas estranhas, de outras galáxias. E o lugar do alienado era no hospício. Vocês falaram no Machado de Assis. Não é de admirar que ele tenha escrito sobre o assunto. Muitos hospícios surgiram, no Brasil, na época dele: o Dom Pedro II no Rio de Janeiro, o São João de Deus, em Salvador, o Juqueri, em São Paulo, o São Pedro, em Porto Alegre. A figura mais importante lá era o alienista.
— Mas, afinal, o que faziam eles pelos pacientes? — perguntou Leo.
— Não muito. Estavam mais preocupados em dar nomes às doenças, em classificar os pacientes em diversos tipos. Naquela época não se sabia muito sobre a mente humana. Foi quando surgiu um homem chamado Sigmund Freud, com umas ideias revolucionárias. Ele disse que em todos nós existem mecanismos capazes de provocar problemas emocionais. Os conflitos que a gente vive, especialmente na infância, podem se manifestar mais tarde sob a forma de perturbação mental. Mais tarde surgiram também muitos medicamentos que não chegam a curar as doenças, mas ajudam as pessoas a viver melhor.
Nova pausa.
— Mas não é só disso que o Machado fala no livro. A loucura talvez nem seja o aspecto mais importante da obra. Na verdade, Machado de Assis está falando em poder, em pessoas que dominam as outras por uma razão qualquer: porque teoricamente sabem mais — como no caso do alienista — ou porque têm mais dinheiro, ou porque têm armas. Os doentes mentais sempre foram vítimas do poder, exatamente porque são doentes, pessoas desamparadas. Vocês devem lembrar que lá pelas tantas ocorre uma revolta contra o alienista, mas o líder da revolta não conseguiu afastá-lo: o doutor Bacamarte representava a ciência e o poder precisa da ciência. — Fantástico — disse Leo, que ouvira fascinado a explicação do médico.

Arturzinho tinha outras preocupações, mais práticas: — E o que é que a gente pode fazer por aquele homem da Casa Verde? — perguntou.
— Aquele homem... Como é o nome dele? — perguntou o médico.
— O nome dele? — Arturzinho, assombrado.
— É. Como se chama esse homem?
— Pois sabe que eu não sei? Não sei mesmo.
O médico sorriu: — Mas a palavra mais importante para uma pessoa é o nome dela, não é verdade? Se você não sabe o nome do homem, isso quer dizer que você não está pensando nele como uma pessoa, está pensando nele como um maluco, como um alienado, como um "alien". E isso é a primeira coisa que precisa mudar.
— E o senhor pode nos ajudar?
— Posso. Mas é preciso que ele esteja de acordo. Ou que, pelo menos, a esposa e a filha solicitem a minha ajuda. Vejam bem: ele não está atacando ninguém, não está prejudicando ninguém. E se estivesse fazendo isso, vocês teriam de avisar as autoridades do município, não a mim. Não é o caso, mas eu poderei ajudar, se a família quiser.
Arturzinho e Leo agradeceram e saíram.
— E agora? — perguntou Arturzinho. — O que é que a gente faz?
— Eu acho — sugeriu Leo — que você deveria falar com a Lúcia. Afinal, é a filha dele, e, como disse o doutor, a família é que tem de opinar.
Arturzinho achou boa a ideia. E resolveu antecipar o encontro com a garota.

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