9

121 5 0
                                    

        No qual o suposto alienista deixa de ser alienado

Depois do assombro inicial, Lúcia correu para o pai, abraçou-o. Para surpresa dela — e de todos que estavam ali, Arturzinho principalmente — o homem correspondeu ao abraço. Parecia surpreso, assustado mesmo, com aquela agitação — mas em nada lembrava o tipo soturno que aterrorizara os garotos poucas noites antes. Piscando muito (pelo visto, estava desacostumado à luz do dia) mirou, intrigado, a multidão: — Diga, filha, o que está fazendo toda esta gente aqui? Lúcia hesitou. Em busca de socorro, olhou o doutor Eduardo que acenou afirmativamente, como a indicar: diga a verdade. O que Lúcia fez: — Eles vieram saber qual o mistério da Casa Verde.
— É? — Ele franziu a testa. — E qual o mistério da Casa Verde?
— Você — disse Lúcia.
— Eu? — ele surpreso. — Eu sou o mistério da Casa Verde? E por quê?
— Porque — Lúcia escolhia cuidadosamente as palavras, com medo da reação do pai — você ficou tanto tempo lá dentro...
— Ah. Por isso. Mas eu não estava incomodando ninguém, estava?
— Não, papai. — Lágrimas nos olhos, Lúcia sorria. — Você não estava incomodando ninguém.
— Eu não queria incomodar ninguém — continuou Jorge, no mesmo tom baixo, contido. — Só queria ficar sozinho. Como o alienista.
— Eu sei.
As pessoas, ao redor, ouviam aquele diálogo sem entender muito. Gorilão impacientou-se: aquele era o mistério da Casa Verde? Aquele homenzinho estranho? Vamos embora, gente, disse aos amigos, estamos perdendo nosso tempo aqui. Ildefonso, porém, resolveu não perder a oportunidade. Adiantou-se rapidamente com o microfone: — Eu queria ouvir algumas palavras do senhor...
Lúcia, indignada, tentou afastar o radialista, mas o pai a impediu: — Pode deixar, filha. O homem quer me fazer apenas algumas perguntas, que mal tem? Vamos lá, senhor... Como é o mesmo o seu nome? — Ildefonso.
— Ildefonso. Pode perguntar, senhor Ildefonso.
— O senhor há pouco afirmou, senhor Jorge, que nada há de misterioso no que o senhor faz. Mas parece que o senhor passou um longo tempo trancado aí na Casa Verde... Pode-se saber o que o senhor estava fazendo?
— Eu? —Jorge hesitou. — Eu estava... como posso dizer?... pensando...
— Pensando?
— É. Pensando.
— E... as suas roupas?

Jorge mirou-se: — Que é que têm as minhas roupas?
— Parecem um pouco antigas.
— São antigas. Foram do meu bisavô, sabe? O alienista... A minha família guardava, como recordação. Quando eu fui para a Casa Verde resolvi usá-las. O senhor acha que está mal? — Não — Ildefonso contrafeito. — Não está. Mas diga-me: o senhor pretende continuar morando na Casa Verde? Ele ficou um instante em silêncio, pensando: — Não — disse por fim. — De momento, não. De momento quero voltar para casa, com a minha mulher e a minha filha. E agora, se o senhor me dá licença, vou me retirar...
— E assim, ouvintes, foi esclarecido o mistério da Casa Verde — proclamou Ildefonso. Meio decepcionado, contudo: esperava revelações sensacionais. De qualquer modo, porém, o programa estava no fim, de modo que ele se despediu e foi embora. As pessoas se dispersaram também. Ficaram ali Lúcia e o pai. Arturzinho e seus amigos, e mais o doutor Eduardo.
— Quem é esse senhor? — perguntou Jorge á filha.
— Deixe que eu me apresente — disse o médico. — Eu sou o Eduardo, psiquiatra.
— Psiquiatra? — Jorge sorriu, pela primeira vez. — Uma espécie de alienista, então...
— Um pouco diferente. Os tempos mudaram, o senhor sabe. Eu gostaria de conversar com o senhor...
— Conversar comigo? —Jorge, surpreso. — Tanta gente querendo conversar comigo... Mas está bem. Se o senhor quer conversar comigo, eu estou a sua disposição.
Voltou-se para a filha, perguntou se podiam ir.
— Vamos — disse Lúcia. Voltou-se para Arturzinho, mirou-o bem nos olhos: — Obrigada. Arturzinho. Você e seus amigos foram ótimos.
E, sob o aplauso de André, Pedro bola e Leo, beijou-o no rosto. Depois, pegou a mão do pai e foram para casa.

O mistério da casa verde Where stories live. Discover now