TRIGÉSIMO QUINTO

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Jacob pilota a lancha ao redor da pequena ilha, procurando um lugar mais raso para jogar a âncora e nós podermos descer. Eu aponto para uma parte mais à frente, mostrando-lhe onde a água parecia estar mais rasa e ele faz uma manobra, parando e jogando a grande âncora no chão. A terra sobe com o movimento e ele desliga o motor, dando-me a mão para ajudar a descer, mas eu recuso, pulando dentro da água e pisando firmemente na areia fina. Minha saída de banho fica completamente ensopada enquanto Jacob pula e saímos da água, pisando em terra firme e observando a pequena ilha com grandes palmeiras e árvores frutíferas mais escondidas. Nós damos as mãos e Jacob se põe na minha frente numa posição defensiva para entrarmos dentro da floresta. Ele sai empurrando galhos e chutando algumas plantas rasteiras que estavam pela pequena trilha pouco usada para abrir mais caminho e não nos perdermos na volta. Alguns animais passam por nós e o canto alto dos pássaros parece uma leve música para os meus ouvidos.
Jacob para hesitante e olha para os lados como se prestasse atenção em algo, tentando localizar seja lá o que ele ouvia.

" O quê? " Pergunto baixo.

" Está ouvindo? " Ele me olha, ainda prestando atenção em algo.

" Ouvindo o que? " Eu pergunto novamente fazendo uma cara estranha.

" É água. " Ele sussurra.

" Sim Jacob, há um mar atrás de nós." Falo sendo óbvia.

" É uma queda d'água." Ele específica revirando os olhos. " Tem uma cachoeira por aqui, é sério que você não escuta? " Pergunta e eu o olho retórica. Ele sabe que perdi os meus dons e com certeza com uma audição quase humana não consigo ouvir algo muito distante do ambiente em que estou, principalmente se esse local for barulhento.

Nós começamos a caminhar para o lado, abrindo uma nova trilha e consigo ouvir gradualmente o barulho forte da água caindo a cada vez que nós aproximamos mais um pouco. Jacob olha para trás e ri levemente por perceber a minha fixação para ouvir os sons que antes eram comuns para mim. É extremamente irritante como pareço um mutante no meu próprio corpo desde que me tornei 'quase humana'. Chega a ser desprezível o jeito que o meu corpo me trata como um grande parasita e não há absolutamente nada que eu possa fazer para mudar isso.
Chegamos em uma grande cachoeira que derramava a água que vinha com força de lá de cima. A água era cristalina a ponto de podermos ver o fundo do pequeno lago recheado de musgo e galhos secos enquanto alguns peixes pequenos circulavam por lá, calmos. Ao redor haviam grandes pedras lisas e escuras, contrastando com a perfeita imagem das árvores grandes e verdinhas e do sol que fazia a água limpa se tornar ainda mais convidativa para um mergulho.
Jacob começa a tirar o seu calção e eu riu do seu desespero com o elástico amarrado para fixar o shorts no lugar.

" O que está fazendo?" Pergunto ainda zoando da sua cara enquanto ele começa a se despir.

" Não me diga que não te dá vontade?" Ele aponta para a água. " Vou mergulhar."

" Jacob está cheio de peixes aí dentro!" Arregalo meus olhos. Ele caminha em direção a uma pedra grande, coloca suas roupas lá e olha para mim.

" Idaí? Eles são inofensivos Nessie, tira logo a roupa e vem comigo." Ele estende-me a mão.

" Talvez os peixes sejam inofensivos, mas sabe-se o que mais tem aí." Reviro os olhos e cruzo os braços. "Você esqueceu que agora qualquer coisinha pode me matar?" Eu o olho com as sobrancelhas franzidas.

" Ok, ok. Então sobe nas minhas costas." Ele me sorri, cruzando os braços e esperando-me tirar a roupa.

Eu bufo frustrada antes de começar a desfazer o nó da minha saída de banho para acompanhá-lo. Caminho até a ponta da pedra onde ele estava posicionado e jogo-a em cima do seu shorts no chão. Ele se vira e seguro nos seus ombros me apoiando para saltar nas suas costas. Entrelaço minhas pernas ao redor da minha cintura e ele me segura firmemente. Seu corpo se apoia mais para frente, se preparando para pular e eu o seguro com mais força.
Ouço barulhos de pedaços de graveto e folhas secas quebrando aos pés de alguém e fico em alerta. Olho ao nosso redor mas nada aparece no meu campo de visão.

" Jacob." Eu o chamo para que ele fique atento. " Jacob tem alguém aqui."

" Onde? " Ele sussurra enquanto olha ao redor. " Não escuto nada."

" Escuta sim, se concentra. " Dou uma tapinha em suas costas e continuo observando ao nosso redor. " Ouvi passos."

" Acho que você só imaginou amor." Ele tenta me olhar duvidoso. Seu corpo se inclina e ele se prepara novamente para pular, tentando buscar impulso na pedra.

" Ei, o que estão fazendo aqui? " Um homem grita e nós olhamos ao redor procurando a voz. Jacob perde o equilíbrio e tropeça na pedra, derrubando nós dois dentro da água gelada e eu o solto para nadar até em cima já que não estava preparada e não peguei ar suficiente. Jacob nada mais rápido e me puxa para cima, fazendo-me tomar uma grande quantidade de ar de uma vez só e tossindo para jogar fora toda a água que engoli. " Saiam do meu lago agora, quem vocês pensam que são para invadir a minha ilha?" Nós procuramos novamente e finalmente o encontramos.

Do outro lado do lago um senhor com seus sessenta anos estava em pé carrancudo com a sua espingarda na mão. Os meus olhos se arregalam e encaro Jacob tentando perceber se ele já entendeu o que eu queria mostrar.

" Desculpe, nós não sabíamos que a ilha estava ocup..." Jacob tenta mas é interrompido.

" Eu não quero saber, saiam da minha ilha agora! " Ele grita e levanta a arma. Jacob se joga para cima de mim numa posição protetora e um tiro é disparado.

" Temos que sair daqui." Eu sussurro para Jacob e seguro a sua mão, nadando para fora e me agarrando na pedra mais próxima para subir. Outro tiro é soado e Jacob pula rapidamente, puxando-me com ele em seguida.

" Saiam! E não voltem nunca mais! " O senhor grita, fazendo a sua voz ecoar por toda a pequena floresta.

" Magno o que é isto! Para agora." A voz de uma mulher soa e olho para trás enquanto puxo Jacob para dentro das árvores. Uma loura velha puxa os braços do senhor e remove a arma da sua mão, dando um tapa no seu braço e o puxando para dentro da floresta logo em seguida. Perco ela de vista quando Jacob coloca-me nas suas costas com um solavanco e começamos a nos mover disparados em busca do caminho que fizemos até a nossa lancha, errando algumas vezes mas achando a trilha logo em seguida e chegando lá com pouco tempo. Ele me joga em cima da lancha e sobe, ligando o motor e puxando a âncora para dentro do barco, acelerando e pilotando rapidamente em direção à nossa ilha.
Lembro que esquecemos de pegar as nossas roupas e dou um pequeno tapa na minha testa, abaixando a cabeça e suspirando. Como é possível que uma pessoa dispare contra outras sem sequer ser atacado?

Meus olhos se arregalam e percebo a minha coxa esquerda completamente encharcada de sangue. Tento sentir alguma dor para saber de onde vem o sangue e achar algum vestígio de ferimento, procurando onde na minha perna teria alguma ferida mas não encontro nada. Olho para a lancha e observo que o sangue de cor vivida também está por todo o piso, quase seco. Jacob pilota tão rápido que a lancha chega a 'quicar' nas ondas e me seguro na ponta do barco, chegamos à ilha em questão de minutos. Ele Joca a âncora no chão e fica estático de costas para mim, como se tivesse decepcionado com a própria decisão de sair da ilha. Jacob levanta o braço para passar a mão no rosto e eu permaneço imóvel quando percebo que o sangue não é meu e sim dele.
Continuo olhando para o mesmo lugar de antes e tentando soltar uma palavra para alerta-lo, mas falhando miseravelmente. Eu mal conseguia abrir a boca, quanto mais falar a ele que ele estava ferido.

" Jacob." Sussurro tão fraco que parece mais um suspiro por fim. Ele vira e me olha curioso, com uma carranca na face ainda chateado com o acontecimento anterior e então percebe a quê eu me referia com o meu frágil sussurrar.

As suas costas estavam sujas de sangue já seco e a sua lateral juntamente com o seu braço esquerdo possuíam muito sangue ainda húmido. Ele levanta o braço e posso ver um buraco aberto, completamente ensanguentado embaixo da sua costela. O sangue escorre pelo seu corpo e a ferida parece estar começando a cicatrizar, mesmo com todo sangue que escorria ao redor.
Uma lágrima minha escapa e ele me olha tentando não expressar sua dor, puxando a minha mão para levantar-me do piso sujo. Eu choro alto enquanto examino sua ferida de joelhos. Passando o dedo próximo à área e recebendo um gemido de dor como resposta. Ele me puxa novamente e eu o abraço, tentando absorver toda a sua dor e chorando um pouco mais, recebendo um gemido a cada aperto que eu lhe dava.

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-  𝐑 𝐄 𝐍 𝐀 𝐒 𝐂 𝐄 𝐑  -  A  SAGA CREPÚSCULOOnde histórias criam vida. Descubra agora