QUINQUAGÉSIMO OITAVO

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N A R R A Ç Ã O  R E N E S M E E


Sentia cada centímetro de pele queimar como se houvesse sido jogada viva dentro de uma fogueira. Os músculos do meu corpo se retorciam mas eu não compreendia exatamente o porquê, talvez se devesse à dor que antes sentira durante tanto tempo – ao que parecia, décadas haviam se passado –. Não era o meu sangue estranho que circulava dentro das minhas veias. Tinha certeza quase absoluta que era ácido, dissolvendo e alimentando-se das minhas entranhas.
Será que eu havia morrido e aquele era o momento onde a minha alma estaria sendo levada ao inferno como o meu pai sempre falou? Será que Jacob sentia-se assim o tempo todo com o seu lobo interior? Será que o calor dele o fazia sentir que a qualquer momento poderia incendiar-se sozinho como eu sentia agora? Será que eram assim que os vampiros se sentiam quando o seu corpo era queimado, mesmo depois de despedaçado?
Eu não sentia mais dor, mesmo que a queimação parecesse dilacerar cada milímetro microscópico de carne do meu corpo. O imenso vazio no meu ventre me tornava estranhamente desconfortável mas a fogueira que me queimava nem me permitia notar tal vazio por muito tempo. Uma brisa gélida circulava por todo o ambiente ao meu redor e mesmo assim não parecia me atingir. Era como se o meu tecido epitelial sugasse o frio e tomasse-o para si ao invés de me fazer tremer, queimando-me cada vez mais de dentro para fora.

No começo doeu. Quando Edward perfurou-me com sei lá o quê, senti um líquido gélido espalhar-se dentro do meu coração fraco e contraído. E então fui atingida por milhares de agulhas grossas que circulavam dentro da minha corrente sanguínea lentamente, espalhando-se às extremidades dos meus membros e me torturando. Meu pai e Carlisle conversavam algo entre si, mas o chiado nos meus ouvidos não me permitiam entender as palavras com clareza antes de me deixarem sozinha. E de repente voltei a sentir os meus membros inferiores mais uma vez, trazendo consigo um martelar nada sútil em minha lombar antes dormente e a dor latejante onde Carlisle cortara a minha barriga para o parto. Minha cabeça doía com um comichão irritante misturando-se às milhares de lembranças que me bombardearam, pouco antes de desmaiar.

Durante algum tempo fiquei desacordada. Imersa em memórias que eu não compreendia se serviam como parte da tortura que o meu corpo me submetia ou se apenas aconteciam para que eu me lembrasse de tudo que vivi antes de ir para onde quer que minha alma fosse – isto se eu tivesse uma alma –. Mas não podia raciocinar sobre o que passava como um flash na minha mente sombria porque adivinha? Eu estava desacordada. Era como um grande transe onde os meus pensamentos não se fixavam direito e mesmo que não soubesse se ainda estava desacordada ou apenas devaneava num sono profundo e os devaneios vinham da minha alma a caminho do inferno, pelo menos agora eu podia pensar como uma pessoa normal, isso se considerarmos que algum dia eu fora normal.
Não sabia quanto tempo havia ficada imersa na aura de tortura física e psicológica que me envolvia, mas provavelmente fora bastante já que agora o meu corpo parecia magicamente ter mudado de posição, deixando-me mais confortável mesmo que não sentisse os meus antebraços, panturrilhas ou as pontas dos dedos dos pés e das mãos. Minhas pernas estavam juntas uma a outra, as mãos cruzadas sobre o ventre e os cabelos pinicavam na área da clavícula descoberta. Era ridículo pensar que mesmo com os meus órgãos internos queimando o que eu mais me preocupava no momento era o pinicar da minha clavícula.

Sim, eu estava desacordada antes. Não, eu não estava desacordada agora. Tudo ainda queimava, apesar de não sentir mais a dor na minha lombar ou no ventre e o meu coração não parecia fraco como antes. Agora ele batia frenético no peito – num ritmo que devo constatar que nunca havia visto antes – e temia que a qualquer momento ele quebrasse a caixa torácica e simplesmente pulasse para fora. A cabeça ainda tinha um comichão inquieto, mas ele não era mais misturado com lembranças e sim com o fogo do meu interior.
As palavras que Edward e Carlisle cochichavam um para o outro voltam para mim e agora pareciam fazer sentido mesmo que o zumbido de antes não tivesse me permitido ouvir nada.

-  𝐑 𝐄 𝐍 𝐀 𝐒 𝐂 𝐄 𝐑  -  A  SAGA CREPÚSCULOOnde histórias criam vida. Descubra agora