Os homens a minha volta explodem em risadas pela terceira vez e percebo que, novamente, perdi a piada. Tento dar um sorriso de quem se divertiu, mas provavelmente não enganou nenhum deles. Na verdade me pergunto se sequer notam minha presença na pequena roda.
Decido testar a sorte e dou alguns passos para trás, me esquivando de seus papos monótonos e piadas machistas. Quase sinto um peso saindo de meu peito quando estou longe o suficiente para não ser mais vista em minha fuga.
Viro o líquido de minha taça inteiro, apreciando a queimação que me traz de volta a realidade. Meus olhos recaem sob um quadro lindo e me pego tentando adivinhar o que o pintor, ou pintora, estava pensando e sentindo quando o fez. Não consigo adivinhar muito, mas sinto uma dor profunda vindo daquelas pinceladas.
Ou talvez você esteja simplesmente projetando, Isabelle.
O pensamento amargo deixa minha boca mais amarga ainda. Encaro o quadro com ferocidade e desejo que queime assim como esses sentimentos ridículos.
Braços fortes me envolvem com ternura e sinto meu corpo relaxar. Um beijo é depositado em meu pescoço, carinhoso e provocativo.
- Por que sinto que está tentada a tirar uma faca de sua bolsa minúscula e esfaquear o pobre quadro? - a voz baixa de Tom soa em meu ouvido, risonha. - Me diga, Elle, no que está pensando?
Franzo os lábios, me esforçando a inventar alguma mentira elaborada que não chegue perto da verdade.
- Seja o que for, - diz após alguns segundos de silêncio da minha parte. - tenho certeza de que posso tirar de sua mente agora mesmo.
Viro para ele devagar e observo seu sorriso travesso. Sei bem o que se passa em sua mente.
- Não deveria estar sendo o anfitrião da noite? - murmuro, tentando não encarar seus lábios carnudos. Tom percebe meu esforço e apenas alarga seu sorriso em plena felicidade infantil. - Pare de sorrir assim.
Aperto meus lábios tentando conter meu próprio sorriso, o que apenas o diverte ainda mais, fazendo-o rir alto. Seus lábios devoram os meus com carinho e delicadeza.
Bem diferente de um certo alguém.
Me afasto bruscamente, irritada com o pensamento. Isso não é hora de pensar nele.
- Desculpe, sei que odeia demonstrações públicas de afeto. - desculpa-se, fazendo carinho em meu rosto. Dou-lhe um sorriso forçado, tentando acalmar meu coração agitado. - Vou pegar seu casaco pra gente ir, o que acha?
- Ótimo. Desculpe, eu estou exausta. - digo. Não é exatamente mentira, mas a exaustão não vai passar com uma noite de sono. Nem um milhão de noites, aparentemente.
- Claro. Eu já volto. - Tom beija minha testa com delicadeza e vai. Meu celular vibra em minha bolsa, me fazendo franzir a testa. Era tarde da noite de uma terça-feira, meus amigos já estão na cama e meus pais também. Pego o telefone e congelo com a mensagem.
Desconhecido: Ei, Izzy, sei que não estamos nos falando, mas eu queria saber se se importaria que eu usasse um áudio seu em um projeto meu. Não tem nada comprometedor, posso te mandar ele se quiser. Só me avisa, por favor. x
Prendo a respiração e a solto com força diversas vezes. Só existe uma pessoa que me chama de Izzy e não de Belle ou Elle. Não. Não pode ser. Não.
- Pronta, Elle? - o peso do sobretudo me faz dar um pulo, apertando o celular no peito. - O que foi? Você está pálida, parece que viu um fantasma.
"Eu vi", quero responder. "Um maldito fantasma que me persegue todos os dias e horas". Mas me contenho, balançando a cabeça.
- Acho que bebi champanhe demais. - uso um tom leve, brincalhão. Tom franze a testa, dividindo-se entre acreditar ou perguntar. Acaba optando por deixar quieto.
- Está congelando lá fora. Vamos? - assinto, sentindo-o pousar uma mão nas minhas costas. Estremeço, meu corpo todo gritando que isso não está certo. Me repreendo pelo pensamento.
Claro que ele tinha que me mandar mensagem logo hoje, no dia em que Tom teria seu momento na galeria de arte. Claro que ele tinha que fazer isso e fazer minha cabeça ficar confusa e me dizer que estava cometendo um erro.
Mas eu não estava. Não estou!
Talvez se eu repetir isso o suficiente, acabe acreditando uma hora.
