1 - não são nem sete da manhã

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EU ODEIO CRUZEIROS

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EU ODEIO CRUZEIROS. Não que eu tenha algo contra navios luxuosos que cruzam os mares, longe disso. Mas eu juro que nesse momento, enquanto tento por tudo que é mais sagrado não entrar em pânico enquanto gritam na cozinha, eu odeio cruzeiros marítimos com todas as minhas forças.

Também odeio sorteios de rádio.

Não me leve a mal, eu sei que qualquer pessoa morreria por um prêmio como o que a mamãe ganhou no verão passado. Quem não amaria uma viagem de duas semanas com tudo pago pela América do Sul? Até eu fiquei com inveja na época. Ela fez as malas, escovou os cabelos, abriu o maior sorriso e partiu com a promessa de que voltaria com alguns souvenires e imãs de geladeira. Eu só não podia contar que ela voltaria com souvenires, imãs de geladeira e um noivo.

É, eu sei.

Mas, mesmo com essa minha recente mania de odiar tudo, eu nem odeio o Tales. Pra falar a verdade, eu não dou a mínima para ele, para sua casa mil vezes maior que nosso antigo apartamento ou para esse noivado repentino, eu só...

— Eva!

Assustada, levanto a cabeça ao ouvir o meu nome, meus braços ainda formando um círculo protetor sobre a mesa do café. Não são nem sete da manhã e eu já não aguento mais. Não sei se é essa cozinha absurdamente grande e planejada até os mínimos detalhes, ou todas essas paredes perfeitas e cinzas sem nenhuma mancha de infiltração ou bolhas de tinta. Mas eu juro. Tem algo no ar hoje que me faz odiar essa casa mais do que já a odiava ontem ou anteontem ou na semana passada.

Minha nossa, preciso parar de usar tanto a palavra ódio. Não são nem sete da manhã.

— Tem certeza de que não quer comer nada? — mamãe pergunta atrás do balcão largo e ridículo de mármore.

— Sabe que não gosto de comer pela manhã — resmungo, apoiando meu rosto nas mãos enquanto meus olhos continuam bastante insistentes em permanecerem fechados, e eu não os contesto. Estou morta de sono.

— Sei disso, mas imaginei que fosse querer tomar café antes do, você sabe, primeiro dia de aula.

Volto a cruzar os braços e enfiar a minha cabeça entre eles, me esforçando para não soltar resmungos incompreensíveis. Porque sabe, não são nem sete da manhã, e ainda que eu odeie começar o meu último ano do Ensino Médio em uma escola totalmente diferente e em uma cidade que até então eu abomino, não quero decretar derrota antes mesmo de o dia começar de verdade.

Mas é que tudo é tão horrível.

Dois meses atrás eu ainda estava vivendo minha antiga vida que, apesar de tediosa, era previsível e segura. Eu tinha meus amigos, tinha os cães da vizinha que sempre latiam quando eu saia à porta e tinha a Dona Virgínia, a melhor professora de Matemática do mundo. Mas agora eu estou aqui, sozinha, sem cachorros e sem a Dona Virgínia. E eu não estou pronta para enfrentar todos os estágios de socialização em um novo colégio que com certeza tem um professor de Matemática no máximo mediano.

Todas as Coisas que Eu Não Odeio em VocêWhere stories live. Discover now