XXVII. A FRENTE E A FRONTE

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O consultório de Paul Martin tinha um ar de sala de estar de gente rica. Embora fosse discreto e tivesse poucos itens pessoais, Isabelle sabia que a poltrona em que ela estava sentada não custava menos de sete mil dólares. No canto da sala, um pouco escondida pelas janelas, estava um quadro de um artista que ela conhecia muito bem. Não deve ter custado menos que doze mil dólares. Até a marca dos lenços de papel na mesa era a mais cara do mercado. Um absurdo levando em consideração

— Disse que hoje queria contar algo novo para mim — comentou o Paul, cruzando as pernas. — Confesso que fiquei curioso.

Isabelle teve muitos problemas para encontrar um novo terapeuta. Não confiava o suficiente em nenhum; Paul era o sétimo em dois anos. Até imaginou que não duraria tanto com esse, porém o homem lembrava um pouco um professor de francês que teve na época da faculdade. Logo, ela estava contando mais sobre sua vida do que contara a qualquer outro psicólogo.

— Queria falar dos meus pais — disse ela escondendo as mãos nos bolsos da jaqueta. — Nunca falo sobre eles.

Martin não esboçou nenhuma reação extrema, mas sentiu-se inclinado a comemorar. O relacionamento dos pais de Isabelle eram ainda uma grande incógnita para ele.

— Eles eram horríveis — confessou ela. — Eu os detestava.

Algo no peito da mulher relaxou-se. Até então só duas pessoas sabiam que ela guardava aquele sentimento ruim no peito. Virou o rosto para a janela. O dia estava lindo lá fora.

— Esse sentimento é antigo? — indagou o psicólogo. Isabelle balançou a cabeça em afirmação.

— Acho que desde a adolescência, eu acho... Mas, veja, é errado sentir tanto desprezo pelos pais — argumentou contra si mesma. — Mesmo que eles quisessem que eu fosse uma coisa que nunca fui.

Para Chad e Gemma Stuart, a filha mais nova era burra. Tinha dificuldade com matemática e pouco interessava-se pelos negócios. Ela só sabia desenhar e pintar; talento para quem tinha tempo para perder, o que, obviamente, ela não tinha. Não era mais criança para ficar brincando de pintar.

— Minha mãe mandou uma das empregadas jogar fora meus pincéis e tintas como presente de aniversário de dezesseis anos — continuou. — Papai endossou, claro.

Isabelle ainda admirava a astúcia que teve para enfrentá-los. Recebera um tapa no rosto e ficou de castigo. A mãe tivera uma séria conversa com ela, explicando que era uma criança privilegiada e devia ser grata, não desobediente. Nem todas as crianças negras do país tinham as oportunidades que ela tinha. E, então, a jovem Stuart escutava a história incrível, inspiradora e chata da Gemma Stuart.

— Mas eu também não os odiava, não de verdade. — Isabelle sentiu a garganta fechar. Engoliu o seco. — Meus pais eram profissionais admiráveis. Você devia ver minha mãe liderando uma reunião. Era lindo ver uma mulher negra em uma posição tão alta. E os dois se amavam de verdade. Mesmo com minha avó contra o casamento interracial, os boatos que soltaram...

A paciente soltou um suspiro. Dentro dos bolsos da jaqueta, Isabelle apertou os dedos. Lembrou-se de como foi difícil os primeiros anos na universidade, quando ela revoltou-se contra os pais. Iria fazer artes plásticas e era isso; não precisava do apoio financeiro deles, tinha ganhado uma bolsa. Nos quatro anos que estava estudando na UCLA, a Stuart mais nova sentia-se como Rachel Green de Friends tentando emancipar-se dos pais.

No entanto, a vida era muito mais complicada do que na TV. Fora inacreditavelmente feliz como universitária e surpreendente infeliz como adulta. Dormia tranquila sabendo que estava fazendo o melhor para ela, mas acordava com um vazio que nunca antes sentira. Era a contrariedade ambulante. Ao mesmo tempo que guardava rancor dos pais, queria ouvir as vozes deles; queria que eles perguntassem se ela estava bem. Eles não o faziam. Apenas Anthony, o doce Anthony, se importava com Isabelle.

Confidente [Completo]Where stories live. Discover now