Capítulo 1

9 0 0
                                    

1

Aquela cidade de merda

***

[Little Falls, Nova York; 21 de julho]

Se eu não estivesse encarando o relógio antigo na parede como se fosse a oitava maravilha do mundo, pensaria que o tempo havia parado. Parecia provocação. Quanto mais eu pensava em estar longe daquele restaurante, mais lentamente os ponteiros se moviam.

Havia algumas horas que minha mente já não estava mais ali. Mesmo assim, Connor não havia parado de falar um momento. Eu já o conhecia bem o suficiente para saber que não precisava prestar atenção no que ele dizia para respondê-lo — um simples "é mesmo?" era o bastante para que ele continuasse falando. Antigamente eu já teria surtado. Hoje em dia eu simplesmente imaginava como seria bom estar longe dali, daquela cidade, daquelas pessoas. Em um ano, no máximo, eu estaria no Brooklyn, com um novo emprego, em um novo apartamento, novos amigos...

"Margot, amor, você está me ouvindo?"

Pisquei lentamente, dando tempo para a paz de espírito me encontrar, mas era tarde demais. Voltei minha atenção a Connor, tentando decidir qual a melhor forma de fazê-lo sofrer sem precisar matá-lo.

"Se você me chamar de amor de novo, Connor, eu juro que vou fazer da sua vida um inferno."

"Qual é," ele começou a fazer malabarismos com as barrinhas de cereal em suas mãos. "É só um apelido carinhoso."

"Eu não quero nada de carinhoso vindo de você," murmurei.

Assim que as palavras saíram da minha boca, me arrependi. Era óbvio que ele não iria deixar quieto. Connor parou com os malabares, seus olhos verdes fixos em mim.

"É mesmo?" Ele se recostou sobre o balcão ao meu lado. "Eu sempre soube que você era do tipo selvagem."

Foi um olhar. Um olhar que me tirou do sério. Eu poderia ter deixado passar, mas vê-lo lamber os lábios daquela forma fez o sangue queimar em minhas veias e, sem pensar duas vezes, minha mão voou em direção ao seu rosto. Connor cambaleou, esbarrando na louça do último cliente — louça que ele devia ter levado para a cozinha há algumas horas. O pires e xícara rodopiaram no ar, respingando café e farelo de bolo pelo balcão branquinho, e se partiram sobre o linóleo xadrez. Um olhar incrédulo cruzou suas feições por um segundo e logo se transformou em um sorriso malicioso, a marca dos meus dedos surgindo perfeitamente em sua bochecha.

"E sádica," completou com uma risadinha abafada.

"Limpa essa merda, Connor. Eu quero ir embora logo."

Com o meu avental, limpei as gotas de café do meu rosto e cruzei o restaurante em direção à porta. Fechar dez minutos mais cedo num sábado não faria mal a ninguém. Mais um dia havia passado, e eu estava cinquenta e nove dólares e quarenta e cinco centavos mais perto de nunca ter que ver Connor de novo — como eu vinha sonhando desde que terminamos.

Às vezes algumas decisões ruins do passado cruzavam meus pensamentos, e eu tinha vontade de me encolher de vergonha até implodir e sumir magicamente desse universo.

No entanto, eu segurei a onda de sentimentos que estava por vir e fiz o meu trabalho. Enquanto Connor limpava a cozinha, eu tomei conta do restante. Mudei a plaquinha na janela para "Fechado" e comecei a limpeza — primeiro a bancada, depois as mesas de madeira, e por último o chão. Me certifiquei de que as portas e janelas estavam devidamente trancadas e, como de costume, coloquei alguns donuts que sobraram do dia numa caixa para levar.

Se a dona não via, a dona não se importava.

Enquanto Connor levava o lixo para fora, eu me apressei para o escritório, no fundo de um corredor estreito depois da despensa, para garantir que ele não iria me ver me apoderando das sobras do restaurante. Tateei as portas de metal dos armários no escuro até achar o meu — as luzes da sala haviam queimado há alguns dias e a única iluminação vinha de uma pequena janela na parede oposta — e tentei guardar cuidadosamente a caixa com os donuts dentro da minha mochila.

A Outra Lydia KinsleyWhere stories live. Discover now