Capítulo 2

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Mesmo que minha rotina monótona tenha retomado ao normal no dia seguinte, após o acontecimento do dia anterior, percebi que algo dentro de mim começou a mudar. Como um fantasma, o cansaço que costumava sentir desaparecia tão rápido quanto vinha, já que minhas atividades resumiam-se a dormir e acordar, sempre pensando sobre o que faria no próximo dia. No entanto, estranhamente, agora também ansiava pela chegada do próximo festival Qing Ming.

Não sabia o que exatamente estava esperando, mas o encontro com o garoto naquele dia deixou uma impressão em mim, algo que nunca havia sentido antes. Talvez fosse porque, em quase 10 anos como fantasma, nunca havia me comunicado ou interagido com outras pessoas.

Olhei para os três doces na pilha de coisas ao meu redor, não senti vontade de comê-los. Parecia que meu desejo humano por saborear algo havia desaparecido. Pelo contrário, aqueles três doces me fizeram lembrar do garoto que não parava de falar na frente do meu túmulo.

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Outra manhã ensolarada. Ao abrir os olhos, estiquei os músculos antes de me levantar. Enquanto pensava no próximo festival Qing Ming, pude ouvir a voz de uma tia responsável por limpar os túmulos do cemitério.

"O clima está tão quente hoje", reclamou a tia enquanto limpava uma sepultura e regava as flores. Escutei suas reclamações e levantei uma das sobrancelhas, observando qual túmulo estava sendo limpo. Vi o túmulo ao meu lado, onde as ervas daninhas haviam sido arrancadas, e depois olhei para o meu próprio túmulo. Era triste constatar que o meu estava completamente coberto por ervas daninhas. Comparado com meu túmulo desordenado, até as regiões de florestas tropicais teriam menos vegetação.

Após a tia terminar de limpar, ela passou pelo meu e foi cuidar de outras sepulturas. Assim, perdi o interesse em continuar observando e decidi vagar um pouco antes de retornar.

Entretanto, a voz da tia me impediu de sair do lugar.

"De quem são esses doces?"

Opa! Tentei lembrar, quais túmulos por aqui teriam doces à frente? Meu cérebro pensou rapidamente, mas não encontrou mais nenhum além do meu. Imediatamente entrei em pânico.

"Que coincidência, estou com vontade de comer algo doce. Parece ser recente, não deve ter problema", disse a tia.

Ah, não! O que você está fazendo? Fiquei chocado ao ver a tia prestes a comer meus doces. Não podia acreditar, em meus 25 anos de vida e agora como fantasma, descobrir que alguém teria coragem de comer as oferendas de um morto...

A frustração me dominou enquanto eu tentava pegar os doces de volta mas, sem sucesso, eles atravessaram minha mão. Meu olhar repleto de ódio se voltou para a tia, que parecia pacífica e amigável, o que me fez mudar de atitude.

Talvez a tia tivesse pensado que sofreria de diabetes se apenas pegasse os doces, e por isso levantou as mãos e rezou por mim.

"Por favor, deixe-me comer isso. Obrigada."

"Não, eu não deixo!"

Gritei imediatamente essa palavra, mas ela não conseguiu ouvir minha voz. Mas o que mais eu posso fazer?

Ela colocou a bala na boca, reduzindo minha pequena recompensa. Me senti melancólico, tentando consolar-me com o pensamento de que ela havia levado apenas uma e talvez não voltasse para pegar mais.

E então observei a tia em sua tarefa de limpar os túmulos, inclusive os dos parentes do garoto. Quando ela voltou a olhar para o meu, suspirei e rezei para que o restante dos doces não fosse roubado também. Recitei encantamentos para afastá-la e impedi-la de levar o restante dos doces, mas parecia inútil. A tia retornou ao meu túmulo, e minha ansiedade e raiva só aumentavam.

Ele está vindo para mim (Novel PT-BR)Where stories live. Discover now